Folha de S.Paulo

Antônio Abujamra é revisto do rigor à provocação

Com curadoria de Márcia Abujamra, exposição em São Paulo repassa trajetória do ator e diretor em 200 fotos e vídeos

- Maria Luísa Barsanelli Cláudia Ribeiro/Divulgação Fotos Acervo Pessoal Chico Lima/Divulgação

Antônio Abujamra não era figura das mais fáceis. Tinha fama de arisco, era provocador, falava palavrões sem parar. “Quando precisava chacoalhar as pessoas, ele chacoalhav­a”, lembra a diretora e produtora Márcia Abujamra, sua sobrinha. “Mas, ao falarem sobre ele, é muito comum mencionare­m a doçura. Ele de fato tocou muito as pessoas com quem trabalhou.”

As falas a que Márcia se refere são uma centena de depoimento­s, de um minuto cada um, que ela colheu para “Rigor e Caos - Antônio Abujamra”, mostra sobre o ator e diretor, com curadoria da sobrinha.

Em cinco salas do Sesc Ipiranga, a exposição reúne essencialm­ente material audiovisua­l, pouco mais de 200 fotos e vídeos que repassam a trajetória de Abujamra, do início da produção artística, em fins dos anos 1950, até a sua morte, há três anos.

São imagens de arquivo pessoal, acervos do diretor guardados na SP Escola de Teatro, em São Paulo, e materiais de emissoras de TV. Concentras­e em especial na carreira no teatro, sua arte por excelência.

Abujamra foi um dos primeiros a introduzir no Brasil dos anos 1960 métodos do teatro contemporâ­neo como os do alemão Bertolt Brecht e do francês Roger Planchon.

Aprendera tudo numa passagem pelo Europa, quando estudou na França com uma bolsa adquirida com auxílio de João Cabral de Melo Neto —o poeta, que viria a influencia­r toda a obra de Abujamra, o abrigou por 28 dias em sua casa em Marselha após o diretor ficar sem dinheiro numa viagem pelo norte africano.

“Rigor e Caos” reúne fotografia­s de espetáculo­s (dirigiu 120), programas de peças e vídeos. Um deles é uma edição com trechos de 36 produções, desde a primeira documentad­a, “Crimes Delicados” (1977).

Em outros espaços, mostrase seus trabalhos no cinema e na televisão, nos quais experiment­ou bastante. “Ele dizia: ‘Na televisão, eu abandonei o racional. A televisão é rascunho’”, conta a curadora.

Uma sala, por exemplo, é dedicada a Provocaçõe­s, programa de entrevista­s que ele iniciou em 2000 na TV Cultura. A mostra resgata quadros como o Vozes da Rua, feito nos primórdios da emissão, quando Abujamra fazia perguntas existencia­is a desconheci­dos.

“É uma loucura o que ele fez, ele trabalhou muito”, afirma Márcia. “Tem ano em que ele dirigiu três peças, além das coisas na TV e no cinema.”

Alguns trabalhos, porém, ficaram de fora por falta de material. Caso de “Divino Maravilhos­o”, programa produzido por Abujamra em 1968, na TV Tupi, e que colocava em cena, sem roteiro prévio, Caetano Veloso, Gilberto Gil e Gal Costa —que na época ainda usava o nome Maria da Graça.

“Caetano ficava numa jaula comendo banana. No terceiro programa, eles fizeram o enterro da tropicália. As críticas foram violentas e acabaram tirando do ar o programa e apagaram todas as fitas.”

Márcia, porém, reuniu registros bastante sinceros do tio, que durante anos deixou de dar entrevista­s —irritavase com jornalista­s— e só voltou a falar com a imprensa na década de 1980, quando se tornou ator. “Descobri entrevista­s superinter­essantes, em que ele está desarmado.”

Mas é o tom provocador de Abujamra que guia a mostra. A cenografia de André Cortez reproduz o caos e o rigor do encenador, conhecido por criações geométrica­s no palco.

Espalhadas pelo chão e por painéis estão frases dele, que resumia seu sarcasmo e acidez em falas corriqueir­as como “sem crueldade não há humor” ou “a vida é sua, estrague-a como quiser”, esta emprestada da dramaturga inglesa Shelagh Delaney. Era pela provocação, afinal, que Abujamra nos guiava a refletir. Rigor e Caos - Antônio Abujamra Sesc Ipiranga, r. Bom Pastor, 822. Abre qua. (28), às 20h. Ter. a sex., das 9h às 21h30, sáb., das 10h às 21h30, dom., das 10h às 18h30. Até 17/3/2019. Grátis. Livre

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 ??  ?? 1 Em 1959 com João Cabral de Melo Neto em Marselha, França, quando morou por 28 dias na casa do poeta2 Bárbara Bruno, Nicette Bruno, Lúcia Capuani, Beth Goulart e Eleonor Bruno em‘Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo’, de 19733 Montagem sua para ‘A Serpente’ (1991), de Nelson Rodrigues 4 em ‘O Casamento’ (1997), encenação do seu grupo Os Fodidos Privilegia­dos
1 Em 1959 com João Cabral de Melo Neto em Marselha, França, quando morou por 28 dias na casa do poeta2 Bárbara Bruno, Nicette Bruno, Lúcia Capuani, Beth Goulart e Eleonor Bruno em‘Os Efeitos dos Raios Gama nas Margaridas do Campo’, de 19733 Montagem sua para ‘A Serpente’ (1991), de Nelson Rodrigues 4 em ‘O Casamento’ (1997), encenação do seu grupo Os Fodidos Privilegia­dos
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