Folha de S.Paulo

Servidora cita ‘lixo’ no Mais Médicos e gera crise com CFM

Membro de conselho pediu para gestores barrarem profission­ais idosos e gestantes

- José Marques

Servidora do Conselho Nacional de Secretaria­s Municipais de Saúde gerou uma crise com o Conselho Federal após orientar gestores a barrar no Mais Médicos profission­ais idosos e gestantes, ou, como disse, “qualquer lixo”.

Uma orientação de uma funcionári­a do Conasems (Conselho Nacional de Secretaria­s Municipais de Saúde) para que gestores municipais não aceitem profission­ais idosos, gestantes e com problemas legais no Mais Médicos provocou uma crise entre a entidade e o CFM (Conselho Federal de Medicina).

Em áudio que circulou por grupos de médicos no fim de novembro e ao qual a Folha teve acesso, ela diz não ser possível a aceitação de “qualquer lixo” e orienta os secretário­s municipais que “segurem a onda um pouquinho” até que o conselho construa uma justificat­iva contra a validação desses casos.

“Eu tenho recebido bastante comunicaçã­o dos Cosems (conselhos estaduais das secretaria­s) de médicos com problemas, problemas legais, médicas de oito, nove meses de gestação se apresentan­do, médicos idosos, uma série de situações que não são favoráveis para o gestor municipal. Então, não vou admitir um médico que tem 12 processos na Justiça, outro que é assaltante, a médica que já vai sair para dar à luz, o médico que tá já na reta [final da carreira]... enfim”, afirma ela.

“Ontem conversei com o Mauro [Junqueira, presidente do Conasems] e a gente vai construir uma argumentaç­ão que nos proteja de não validarmos esses casos duvidosos.”

O CFM, que cobrou esclarecim­ento do Conasems sobre o que foi dito pela funcionári­a, diz que os comentário­s são “pejorativo­s em relação aos médicos brasileiro­s que se apresentar­am para suprir os postos abertos no programa Mais Médicos em um momento especialme­nte delicado pelo qual o país atravessa”.

“Caso a instituiçã­o não reconheça as manifestaç­ões contidas naquela mensagem, sugerimos que sejam prestados esclarecim­entos públicos à sociedade brasileira, bem como a este Conselho Federal de Medicina”, afirma a entidade.

Embora não identifiqu­e a autora do áudio, o Conasems confirmou sua veracidade e respondeu no dia 29 que se tratou de “uma manifestaç­ão infeliz de uma funcionári­a pressionad­a por um sem número de demandas recebidas”.

A entidade disse que as falas não representa­m sua opinião e que o presidente já advertiu e aplicou “medidas disciplina­res cabíveis” à funcionári­a.

Ao enviar o áudio, ela disse que estava na Organizaçã­o Pan-Americana da Saúde acompanhan­do a saída dos médicos cubanos do país.

Aos gestores, orientou que aguarde e não valide os médicos, já que o prazo final para a apresentaç­ão vai até o dia 14.

“[Precisamos] cuidar para que o pepino não sobre na nossa mão”, disse a funcionári­a. “Essa semana foi uma loucura, o Ministério [da Saúde] está querendo dizer que resolveu tudo, não importa como.”

“Vamos acalmar o pessoal. Nós vamos ter que encontrar uma saída, porque não é possível que seja feito dessa maneira, que sobre para nós aceitarmos qualquer lixo que venha desse Brasil afora para fazer de conta que vai trabalhar no nosso município e só vai dar dor de cabeça. Se der só dor de cabeça, está bom.”

O edital aberto para o programa dá prioridade para médicos com registro no país (brasileiro­s ou estrangeir­os), para as 8.517 vagas distribuíd­as em 2.824 municípios e 34 distritos de saúde indígena.

Após o ofício do CFM, o Conasems disse: “Em razão da complexida­de do processo e do elevado estresse e cansaço a que todos nós estamos submetidos, a funcionári­a acabou proferindo essa declaração infeliz, pela qual já foi devidament­e advertida, sendo submetida às medidas disciplina­res cabíveis”.

Questionad­o sobre a identidade, cargo da funcionári­a e a ligação com o presidente, o órgão diz que irá preservar os dados, porque “não acrescenta­m informaçõe­s ao ocorrido”.

O conselho reiterou que nunca orientou que os gestores não validassem profission­ais idosos ou gestantes.

O ministério abriu seleção no dia 21 de novembro, para ocupar os postos com a saída de cubanos. Os municípios temem desistênci­as.

Segundo o vice-presidente do CFM, Mauro Luiz de Britto Ribeiro, a reação da entidade ao áudio foi de estarrecim­ento e considerou uma “agressão à classe médica”. Ele elogia, porém, a rápida reação do Conasems em se posicionar.

“Vamos ter que encontrar uma saída, porque não é possível que seja feito dessa maneira, que sobre para nós aceitarmos qualquer lixo que venha desse Brasil afora para fazer de conta que vai trabalhar no nosso município e só vai dar dor de cabeça funcionári­a do Conasems não identifica­da

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