Mundo automatizado impulsiona a volta do produto ‘feito à mão’
Na contramão do consumo de massa, grupos urbanos pregam ‘revolução artesanal’ e trabalho desacelerado
são paulo Há um grupo de profissionais que não teme um futuro em que os robôs substituem os homens. Ao contrário: quem apostou na retomada de produtos feitos à mão vê a automatização como uma oportunidade para que os trabalhadores resgatem a capacidade criativa.
“Vão colocar uma máquina em um processo em que o homem foi automatizado”, diz Bruno Andreoni. Ele é idealizador da Revolução Artesanal, movimento que fomenta a cultura da habilidade manual e se tornou referência em São Paulo. Na visão dele, a utilização de robôs em funções mecânicas, como o telemarketing, vai libertar o profissional, que poderá então se dedicar a tarefas criativas.
Empreendedores têm retomado atividades em proporções caseiras e acreditam que esse é um dos futuros do trabalho. Para eles, mais do que uma fonte de renda, o trabalho artesanal mobiliza uma série de qualidades humanas da produção. “Ato de criação, ato de se sentir no mundo, ato de se sentir autor: é isso que o fazer manual traz. A ideia do único e do exclusivo tem crescido, tanto o que é isso quanto do valor disso”, diz.
A agitação no cenário, no entanto, não garante que esse volta ao passado traga qualidade de vida, elemento-chave da criação do movimento. O tempo é um dos problemas nessa equação, explica Andreone: muitos produtores trabalham de segunda a sexta e participam de eventos ligados ao seu negócio aos finais de semana. “Quando essas pessoas descansam?”, questiona.
Mesmo sendo uma aposta de nova configuração do trabalho, a retomada da produção artesanal já é realidade. Feiras como a Rede Manual e o Jardim Secreto, ambas na capital paulista, reúnem pequenos produtores e são sucesso.
Na última edição, a Jardim Secreto teve público de mais de 20 mil pessoas na praça Dom Orione, no Bexiga, região central de São Paulo, e passou também a contar com um ponto fixo de vendas no mesmo bairro neste ano.
Apesar de ser um movimento simples, uma série de concepções de estilo de vida orbitam o fazer manual. Um deles é o “slow”, que propõe uma desaceleração do cotidiano.
Michelle Prazeres, pesquisadora e uma das criadoras do Desacelera SP, iniciativa para fomentar um estilo de vida mais devagar, diz que o movimento é um tensionamento da globalização, financeirização e produtivização da vida, criado para construir alternativas a esse modo de viver.
“O slow não é o devagar, é o devagar em relação a algo. Não é lento, é mais lento em relação a algo”, diz. “Não que o futuro do trabalho seja trabalhar devagar, mas muitas pessoas já entenderam que não dá para a gente fazer 80 horas por semana, que não dá para a gente trabalhar desse jeito, mesmo em um discurso de ‘trabalhe com propósito’”, diz a pesquisadora.
Conceitos de consumo consciente e economia circular, que propõem reintrodução de resíduos na cadeia produtiva, permeiam esse movimento.
Para Camilla Marinho, fundadora do D.A.M.N Project, projeto que é referência em sustentabilidade na moda, estudar esses conceitos foram fundamentais para uma conscientização sobre o processo de produção e um olhar crítico em relação à moda e ao consumo frenético. “A gente não é contra o consumo. Nós achamos que podemos consumir de uma maneira inteligente”, conta a stylist.
Além de promover eventos sobre a sustentabilidade, o D.A.M.N Project ganhou um espaço físico no bairro de Pinheiros e acabou se tornando também um hub de marcas alinhadas ao conceito. “Agora está vindo uma geração de jovens que estão mais ligados, eles são naturalmente mais ativistas”, afirma Marinho.
Para a pesquisadora Michelle Prazeres, na configuração atual de sociedade, ainda não há garantia para a existência sustentável dessas iniciativas.
“Essa conta, hoje, não fecha. Mas você tem fissuras, encontraram brechinhas. Nessas brechinhas, as pessoas estão construindo alternativas”.
Ao atuar em proporções caseiras, novos empreendedores afirmam buscar o resgate de qualidades humanas