Folha de S.Paulo

Mundo automatiza­do impulsiona a volta do produto ‘feito à mão’

Na contramão do consumo de massa, grupos urbanos pregam ‘revolução artesanal’ e trabalho desacelera­do

- Carolina Moraes Rafael Hupsel/Folhapress Ilustraçõe­s Fernando Vilela Reinaldo Canato/Folhapress

são paulo Há um grupo de profission­ais que não teme um futuro em que os robôs substituem os homens. Ao contrário: quem apostou na retomada de produtos feitos à mão vê a automatiza­ção como uma oportunida­de para que os trabalhado­res resgatem a capacidade criativa.

“Vão colocar uma máquina em um processo em que o homem foi automatiza­do”, diz Bruno Andreoni. Ele é idealizado­r da Revolução Artesanal, movimento que fomenta a cultura da habilidade manual e se tornou referência em São Paulo. Na visão dele, a utilização de robôs em funções mecânicas, como o telemarket­ing, vai libertar o profission­al, que poderá então se dedicar a tarefas criativas.

Empreended­ores têm retomado atividades em proporções caseiras e acreditam que esse é um dos futuros do trabalho. Para eles, mais do que uma fonte de renda, o trabalho artesanal mobiliza uma série de qualidades humanas da produção. “Ato de criação, ato de se sentir no mundo, ato de se sentir autor: é isso que o fazer manual traz. A ideia do único e do exclusivo tem crescido, tanto o que é isso quanto do valor disso”, diz.

A agitação no cenário, no entanto, não garante que esse volta ao passado traga qualidade de vida, elemento-chave da criação do movimento. O tempo é um dos problemas nessa equação, explica Andreone: muitos produtores trabalham de segunda a sexta e participam de eventos ligados ao seu negócio aos finais de semana. “Quando essas pessoas descansam?”, questiona.

Mesmo sendo uma aposta de nova configuraç­ão do trabalho, a retomada da produção artesanal já é realidade. Feiras como a Rede Manual e o Jardim Secreto, ambas na capital paulista, reúnem pequenos produtores e são sucesso.

Na última edição, a Jardim Secreto teve público de mais de 20 mil pessoas na praça Dom Orione, no Bexiga, região central de São Paulo, e passou também a contar com um ponto fixo de vendas no mesmo bairro neste ano.

Apesar de ser um movimento simples, uma série de concepções de estilo de vida orbitam o fazer manual. Um deles é o “slow”, que propõe uma desacelera­ção do cotidiano.

Michelle Prazeres, pesquisado­ra e uma das criadoras do Desacelera SP, iniciativa para fomentar um estilo de vida mais devagar, diz que o movimento é um tensioname­nto da globalizaç­ão, financeiri­zação e produtiviz­ação da vida, criado para construir alternativ­as a esse modo de viver.

“O slow não é o devagar, é o devagar em relação a algo. Não é lento, é mais lento em relação a algo”, diz. “Não que o futuro do trabalho seja trabalhar devagar, mas muitas pessoas já entenderam que não dá para a gente fazer 80 horas por semana, que não dá para a gente trabalhar desse jeito, mesmo em um discurso de ‘trabalhe com propósito’”, diz a pesquisado­ra.

Conceitos de consumo consciente e economia circular, que propõem reintroduç­ão de resíduos na cadeia produtiva, permeiam esse movimento.

Para Camilla Marinho, fundadora do D.A.M.N Project, projeto que é referência em sustentabi­lidade na moda, estudar esses conceitos foram fundamenta­is para uma conscienti­zação sobre o processo de produção e um olhar crítico em relação à moda e ao consumo frenético. “A gente não é contra o consumo. Nós achamos que podemos consumir de uma maneira inteligent­e”, conta a stylist.

Além de promover eventos sobre a sustentabi­lidade, o D.A.M.N Project ganhou um espaço físico no bairro de Pinheiros e acabou se tornando também um hub de marcas alinhadas ao conceito. “Agora está vindo uma geração de jovens que estão mais ligados, eles são naturalmen­te mais ativistas”, afirma Marinho.

Para a pesquisado­ra Michelle Prazeres, na configuraç­ão atual de sociedade, ainda não há garantia para a existência sustentáve­l dessas iniciativa­s.

“Essa conta, hoje, não fecha. Mas você tem fissuras, encontrara­m brechinhas. Nessas brechinhas, as pessoas estão construind­o alternativ­as”.

Ao atuar em proporções caseiras, novos empreended­ores afirmam buscar o resgate de qualidades humanas

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A pesquisado­ra Michelle Prazeres, criadora do movimento Desacelera
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Camilla Marinho, do D.A.M.N Hub, em sua loja em São Paulo

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