Folha de S.Paulo

Temer deixa R$ 336 bi de investimen­tos para novo governo

Relatório da Fazenda mostra ainda que eleito herda R$ 195 bi em projetos; mercado considera pouco

- Taís Hirata

O governo Temer deixará de herança a Jair Bolsonaro R$ 335,6 bilhões de investimen­tos engatilhad­os, fruto de privatizaç­ões e concessões. Para o mercado, o valor é baixo para que o país reduza o déficit na infraestru­tura.

O governo Michel Temer deixará como herança ao menos R$ 335,6 bilhões de investimen­tos já engatilhad­os, fruto de privatizaç­ões e concessões realizadas nos últimos anos, e outros R$ 195 bilhões em projetos em fase de preparação.

Apesar das cifras bilionária­s, para o mercado, o valor é baixo perto do que o país precisa para reduzir seu déficit na área de infraestru­tura.

“O investimen­to anual deveria ser de R$ 350 bilhões a R$ 400 bilhões. Há espaço para isso, em [setores como] estradas, aeroportos, portos, energia”, afirma António Bernardo, presidente da consultori­a alemã Roland Berger.

“O governo teve boas intenções, mas não concretizo­u muito. O desenvolvi­mento precisaria ser muito mais rápido”, diz ele.

O raio-X dos investimen­tos gerados durante a gestão Temer foi destacado em um relatório produzido pelo Ministério da Fazenda para deixar um balanço e orientaçõe­s à equipe do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

Entre os leilões bem-sucedidos estão concessões de exploração de campos de petróleo —responsáve­is pela maior parcela do valor—, construção de linhas de transmissã­o de energia, aeroportos, terminais portuários, entre outros.

Embora o prazo de aplicação dos recursos seja longo (de até 30 anos em alguns casos), a tendência é que se concentrem nos primeiros cinco ou dez anos —ou seja, boa parte será herdada por Bolsonaro, afirma Fernando Vernalha, sócio da VGP Advogados.

Para ele, o volume de projetos deixados não será maior principalm­ente porque faltou musculatur­a ao PPI (Programa de Parcerias de Investimen­tos), órgão criado por Temer para promover as desestatiz­ações.

“A equipe é muito boa, mas reduzida, não deu conta da demanda, não colocou na rua tantos projetos. O apetite do investidor estrangeir­o não foi posto à prova como poderia”, diz o advogado.

Além disso, Temer teve pouca força política para levar adiante projetos de privatizaç­ões, que requerem aprovação do Congresso Nacional, e sofreu com análises demoradas e rigorosas por parte do TCU (Tribunal de Contas da União) que atrasaram projetos, avalia Mauro Penteado, sócio da área de infraestru­tura do Machado Meyer Advogados.

A má relação entre o governo e órgãos de controle, como o TCU e o Ministério Público, foi motivo de queixa por parte de empresário­s e analistas do setor durante os últimos anos, que acusam as instituiçõ­es de intervençã­o excessiva e de travar investimen­tos em infraestru­tura —crítica rebatida por representa­ntes dos órgãos.

Apesar dos entraves, há um consenso entre os analistas: Bolsonaro começará seu governo em melhor situação do que Temer iniciou o seu.

“Ele vai herdar uma carteira de projetos relativame­nte boa já em desenvolvi­mento. O espólio entregue por Temer será muito melhor do que o de Dilma Rousseff”, afirma Vernalha.

Além dos leilões já realizados, o governo deixará pronto um pacote de concessões a serem leiloadas logo no primeiro trimestre de 2019, que poderão injetar outros R$ 6,4 bilhões no país. Serão leiloados 12 aeroportos, quatro terminais portuários e um trecho da Ferrovia Norte-Sul.

Para Bernardo, da Roland Berger, Bolsonaro buscará destravar grandes investimen­tos na área de infraestru­tura logo nos primeiros seis meses de gestão, uma forma eficiente de criar empregos de forma rápida. Ele espera um ritmo mais acelerado do que o dos últimos anos.

“O novo presidente começa com uma ideia mais clara sobre como desenvolve­r e executar as alavancas da economia. Já sinalizou que vai fazer privatizaç­ões, retomar investimen­tos parados. Vai começar melhor [do que Temer].”

O setor de transporte­s deverá ser um dos primeiros a serem destravado­s, principalm­ente o de rodovias, afirma Penteado, do Machado Meyer. “Várias concessões importante­s vão ser feitas nos próximos anos”, afirma o advogado.

Há cerca de um mês, o governo Temer conseguiu licitar sua primeira e única concessão no setor, a Rodovia de Integração do Sul.

O projeto tardou a sair porque sofreu críticas do TCU. Isso travou todas as demais concessões de rodovias federais.

Agora, com o leilão bem-sucedido do ativo, a expectativ­a é que os demais projetos saiam com maior facilidade.

A previsão é que a concessão de trechos rodoviário­s no país possa gerar R$ 54 bilhões de investimen­tos.

Na área de ferrovias, a expectativ­a é que novas concessões gerem R$ 23 bilhões. A prorrogaçã­o de contratos devem render ainda outros R$ 32 bilhões.

Já as novas rodadas de licitações para exploração de petróleo poderão se converter em R$ 74 bilhões.

O documento elaborado pela Fazenda à equipe de Bolsonaro ainda inclui uma vasta lista de ativos cujos projetos foram iniciados durante o governo Temer.

Alguns exemplos: a desestatiz­ação da Infraero; a concessão de diretos exploratór­ios de minérios; concessões de novas linhas de transmissã­o de energia; leilões de arrendamen­to de terminais portuários, entre outros.

Nem todos eles têm um valor previsto de investimen­to, ou seja, o total da herança deixada por Temer poderá ser maior.

O relatório ainda inclui uma série de recomendaç­ões para a área de infraestru­tura e de desestatiz­ações.

Entre elas, está a privatizaç­ão da Eletrobras, nos moldes definidos pela equipe de Temer: a redução da participaç­ão da União abaixo dos 50%, com a barreira de que nenhum acionista poderá deter mais do que 10% do controle da estatal.

A desestatiz­ação da empresa é uma das grandes dúvidas do mercado em relação ao governo Bolsonaro, que já declarou considerar a geração de energia no país uma área estratégic­a e que não deverá privatizar empresas do setor.

Recomenda-se também concluir reformas legais iniciadas pela equipe de Temer, como o novo marco do setor elétrico, a alteração do regime de cessão onerosa de exploração de petróleo e o fortalecim­ento das agências reguladora­s, com critérios mais rigorosos para a seleção de seus dirigentes.

Todas essas propostas já têm projetos de lei que estão em tramitação atualmente no Congresso Nacional.

“A equipe é muito boa, mas reduzida, não deu conta da demanda, não colocou na rua tantos projetos. O apetite do investidor estrangeir­o não foi posto à prova como poderia Fernando Vernalha sócio da VGP Advogados

“O investimen­to anual deveria ser de R$ 350 bilhões a R$ 400 bilhões. Há espaço para isso, em [setores como] estradas, aeroportos, portos, energia António Bernardo presidente da consultori­a alemã Roland Berger

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