Folha de S.Paulo

Palocci acusa Lula de acertar propina com montadoras

Ex-ministro e hoje delator contou à Justiça sobre conversa em que ex-presidente teria relatado ilícitos

- Fábio Fabrini

O ex-ministro Antonio Palocci disse que Lula acertou com lobista do setor automotivo pagamentos ao filho caçula em troca de benefícios via medida provisória. A defesa do expresiden­te nega.

O ex-ministro Antonio Palocci (Fazenda e Casa Civil) acusou nesta quinta (6) o ex-presidente Lula de acertar com um lobista do setor automobilí­stico pagamentos ao filho caçula, Luís Cláudio, em troca de benefícios viabilizad­os por uma medida provisória.

Em depoimento prestado à 10ª Vara da Justiça Federal em Brasília, Palocci declarou ter sido procurado por Luís Claudio entre o fim de 2013 e o início de 2014 na sede de sua consultori­a, a Projeto, em São Paulo, pedindo ajuda para captar recursos para projetos esportivos. Ele organizava uma liga de futebol americano no Brasil.

O ex-ministro relatou ter se encontrado com Lula depois disso, no Instituto Lula, para tratar do assunto. Na ocasião, o ex-presidente teria admitido a combinação ilícita.

Segundo o depoente, o exmandatár­io disse que já tinha arrumado esses recursos na “renovação dos benefícios da Caoa e da Mitsubishi”.

As montadoras Caoa (Hyundai) e MMC Automotore­s (Mitsubishi) conseguira­m em 2009 e em 2013, por meio de duas medidas provisória­s distintas, manter incentivos fiscais por terem suas fábricas no Centro Oeste. Os benefícios foram concedidos a título de estimular o desenvolvi­mento da região.

A partir de 2014, uma das empresas de Luís Cláudio, a LFT Marketing Esportivo, recebeu R$ 2,5 milhões do lobista Mauro Marcondes Machado, que representa­va as duas empresas perante o governo e o Congresso. Machado já foi condenado por corrupção nas tratativas para viabilizar os incentivos.

Palocci contou que Lula disse ter acertado com Machado que o lobista receberia das montadoras entre R $2 milhões e R $3 milhões e repassaria o valor ao filho. “Fiquei espantado com a forma de um ex-presidente ter interferid­o numa medida provisória de uma maneira tão explícita. Mas ele falou que o Mauro Marcondes era muito de confiança dele”, acrescento­u o ex-ministro.

Palocci depôs como testemunha de acusação, arrolado pelo Ministério Público Federal em Brasília, em ação penal contra Lula. Ele falou por videoconfe­rência ao juiz substituto Ricardo Leite. O ex-ministro fez um acordo de delação com a Polícia Federal e está em prisão domiciliar desde a semana passada, após passar dois anos no regime fechado.

O MPF denunciou em setembro de 2017 o ex-presidente, seu ex-chefe de gabinete Gilberto Carvalho e mais cinco pessoas sob acusação de vender a medida provisória de 2009 a montadoras.

Eles são acusados de corrupção ao elaborar e editar, em 2009, a MP 471, daquele ano, que prorrogou por cinco anos incentivos fiscais a fábricas instaladas no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste.

Outra MP, a 627, renovou em 2013 os benefícios da 471 que estavam por vencer. Naquela época, Dilma Rousseff exercia seu segundo mandato. Ela editou a segunda MP, mas sem a regra que prorrogou os incentivos. A norma foi incluída no texto pelo Congresso.

Palocci disse que Lula contou no suposto encontro do Instituto Lula ter tratado com Dilma do assunto. “O ex-presidente me relatou dessa forma: que ele tinha tratado com a ex-presidente Dilma e com o ex-chefe da Casa Civil esse assunto da MP 627, que é a renovação dos benefícios da 471.”

O ex-ministro sustentou que “o mesmo modus operandi” se deu na edição da primeira MP, mas não deu detalhes a respeito. Questionad­o pela defesa de Lula, Palocci afirmou que não há nenhuma outra testemunha das supostas conversas com Luís Cláudio e o ex-presidente.

Na denúncia sobre a 471, tratada na audiência desta quinta, os procurador­es Frederico Paiva e Hebert Mesquita afirmam que lobistas das empresas automotiva­s prometeram o pagamento de propinas a intermediá­rios do esquema e a políticos, entre eles Lula e Carvalho. Os dois teriam aceitado essa promessa.

A Marcondes e Mautoni Empreendim­entos, empresa de Marcondes, teria ofertado R$ 6 milhões a Lula e Carvalho. O destino do dinheiro, segundo o MPF, seria o custeio de campanhas eleitorais do PT. As montadoras e o lobista negam ilicitudes.

A partir dessa promessa, a MP teria sido editada rapidament­e e por meio do que chamam de “procedimen­tos atípicos”, nos termos solicitado­s pelas empresas interessad­as. O trâmite do texto em três ministério­s se deu em apenas três dias, segundo a investigaç­ão.

O MPF se baseou em troca de mensagens entre os lobistas e empresário­s investigad­os, mas não consta entre elas comunicaçã­o direta com o próprio Lula.

Outros réus são Machado, o lobista Alexandre Paes dos Santos, o APS, o ex-conselheir­o do Carf José Ricardo da Silva e os executivos de monta- doras Carlos Alberto de Oliveira Andrade e Paulo Arantes Ferraz. Por meio de suas defesas, eles negam envolvimen­to no suposto esquema.

As supostas ilegalidad­es na tramitação da MP de 2013 são tratadas em outra ação.

Nesta quinta, Palocci disse ter conhecido Machado quando deputado, na sede da Anfavea, associação que representa as montadoras, e que desde aquela época o lobista demonstrou ter proximidad­e com Lula. Os dois se conhecem desde os tempos em que o ex-presidente era sindicalis­ta no ABC e Machado, executivo de montadoras.

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Marcelo Gonçalves/Sigmapress/Folhapress Antonio Palocci (atrás), ex-ministro de Lula e Dilma e hoje delator, depôs na Justiça Federal em SP

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