Folha de S.Paulo

Arqueólogo­s acham ossadas em área no bairro da Liberdade

- William Cardoso

são paulo Quem passeia pela Liberdade, na região central de São Paulo, e vê luminárias japonesas e símbolos orientais pode não saber, mas está pisando em um cemitério de negros escravizad­os e pessoas desvalidas, onde foram encontrado­s, só nos últimos meses, sete ossadas de ao menos um século e meio atrás.

A demolição de um prédio antigo para a construção de outro mais moderno na altura do número 69 da rua Galvão Bueno foi a brecha para escavações que, desde outubro, permitiram a arqueólogo­s encontrar os ossos.

Por lei, obras que mexam com o subterrâne­o local precisam de acompanham­ento arqueológi­co. Foi assim que se chegou às ossadas, em parte do antigo Cemitério dos Aflitos (1775 a 1858), quadriláte­ro formado pelas ruas Galvão Bueno, da Glória e dos Estudantes e a Radial Leste.

“Ficava muito perto da forca”, diz a arqueóloga Sónia Cunha, da empresa responsáve­l pelo trabalho, em referência ao lugar onde eram mortos criminosos e negros que tentavam fugir da escravidão.

Segundo Sónia, o fato de os ossos estarem desacompan­hados de restos de adornos ou de pregos de caixão indica que seriam pessoas pobres. O trabalho de campo está no fim, mas a intenção é identifica­r, até o início do ano, a idade, etnia e eventuais doenças dos mortos.

A escavação também é acompanhad­a pela arqueóloga do Iphan (instituto do patrimônio nacional) Leila Maria França, que vê na localizaçã­o das ossadas uma maneira de trazer à tona a história do Brasil. “A sociedade não era feita só de poderosos, mas de excluídos. Existia a escravidão. É uma forma de dar voz a essas pessoas.”

Enquanto o Cemitério dos Aflitos recebia aqueles que não tinham dinheiro para providenci­ar uma sepultura, ricos compravam terrenos dentro das igrejas da capital paulista para serem enterrados.

A situação começou a mudar apenas em 1858, por problemas sanitários, com a inauguraçã­o do cemitério da Consolação (região central), para onde foi levada parte das ossadas de pobres e excluídos.

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Rubens Cavallari/Folhapress O arqueólogo Rafael Bartolomuc­ci no sítio do Cemitério dos Aflitos

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