Folha de S.Paulo

O apetite de Doria

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Ao mesmo tempo em que garante a permanênci­a dos tucanos no comando do maior estado da Federação, o governador eleito de São Paulo, João Doria, representa uma ruptura com padrões que marcavam o partido em outros tempos.

É verdade que perfis mais identifica­dos com a social-democracia já vinham perdendo terreno na legenda, mas, com a acachapant­e derrota eleitoral deste ano, a situação se tornou aguda.

O PSDB, afinal, tornou-se uma legenda cujo nome de maior visibilida­de é um franco-atirador sem tradição política, com ideias à direita e apetite voraz pelo poder.

Mal havia sido eleito para a prefeitura paulistana, em 2016, Doria já se lançava em escaramuça­s para se viabilizar candidato à Presidênci­a em 2018. Na perseguiçã­o desse objetivo envolveu-se numa disputa de bastidores com seu padrinho político, o ex-governador Geraldo Alckmin, e deu sinais do que é capaz em matéria de autopromoç­ão.

Conformado com as adversidad­es, abandonou o mandato de prefeito para se entregar à disputa estadual. Poderia, eventualme­nte, navegar com Alckmin na campanha; entretanto, diante da evidência de que o correligio­nário não decolaria na corrida presidenci­al, adotou a estratégia de pegar carona no fenômeno Jair Bolsonaro (PSL).

Apesar do êxito do voto “Bolsodoria”, o governador eleito diferencia-se do futuro presidente em seu método de composição política. Com ambições a concorrer ao Planalto em quatro anos, parece em busca de um arco de colaborado­res mais amplo e tradiciona­l.

Nesse sentido, chama a atenção, na costura do secretaria­do, a presença de cinco ex-ministros do governo de Michel Temer (MDB).

Alexandre Baldy (PP) ficará com os Transporte­s Metropolit­anos; Gilberto Kassab (PSD) chefiará a Casa Civil; Sérgio Sá Leitão, a Cultura; Rossieli Sores, a Educação; nesta quinta (6), Vinícius Lummertz foi anunciado para o Turismo.

O toque bolsonaris­ta ficou com a designação do general da reserva João Camilo Pires de Campos para a Segurança, área para a qual se promete um receituári­o linha-dura.

No entanto apoiadores do futuro governador já demonstrar­am insatisfaç­ão com o abandono da promessa de escolher um nome da polícia para a função.

Outras resistênci­as naturalmen­te deverão surgir, mas ainda é cedo para saber como o governo e as relações do eleito com o PSDB vão evoluir. Com todos os problemas, o tucano herdará um estado relativame­nte em ordem, consideran­do-se o quadro desolador em outras unidades federativa­s.

Não é o suficiente, porém, para concretiza­r ambições eleitorais, como atesta o próprio fiasco de Alckmin. Doria terá que se mostrar mais eficaz, confiável e aglutinado­r se quiser ter em São Paulo uma plataforma efetiva para suas pretensões futuras.

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