Folha de S.Paulo

Sabrina e a guerra fria de EUA e China

Prisão de alta executiva chinesa mexe com mercados, mas há algo mais fora da ordem

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA) vinicius.torres@grupofolha.com.br

Soube-se nesta quinta-feira (6) que o Canadá prendeu uma alta executiva chinesa a pedido dos Estados Unidos. A notícia foi bastante para provocar grandes baixas nas Bolsas. Sim, a história afetou o Brasil também.

Segundo essa teoria, a prisão seria outro indício de degradação das relações sino-americanas, de que a disputa comercial entre os dois países iria de mal a pior, o que elevaria o risco de desacelera­ção econômica nos países mais relevantes, EUA e China inclusive.

No meio para o fim da tarde, essa bola de neve derreteu. Reportagem do Wall Street Journal contava que a direção do Fed, o banco central dos EUA, cogita esperar para ver como é que ficam preços e atividade econômica antes de prosseguir na campanha de alta das taxas de juros, em 2019.

O preço das ações subiu. Também aqui no Brasil, a Bovespa recuperou quase todas as perdas feias do dia; o dólar passou a cair. Se os juros subirem menos nos EUA, melhor também para as nossas taxas.

Esses paniquitos do mercado e suas explicaçõe­s têm algo de ridículo e a racionalid­ade gelatinosa da finança. Mas os donos do dinheiro andam nervosos, desde o começo de outubro.

Sim, a guerra de Donald Trump contra o comércio mundial é uma estupidez daninha. A economia americana dá um ou outro sinal de desacelera­r, mas não há indício razoável de recessão. Episódios aparenteme­nte menores como a prisão da executiva por vezes são uma gota d’água. De qualquer modo, por um lado, as reações do mercado parecem exageradas. Por outro, os surtos que já duram dois meses são inquietant­es.

O episódio da prisão, enfim, foi menor?

A executiva presa não é peixe pequeno. É Meng Wanzhou, conhecida como Sabrina ou Kate no Ocidente, diretora financeira, vice-presidente do conselho da Huawei e filha do fundador da empresa, muito ligado ao Exército e ao governo da China. “Sabrina” teria sido presa porque comanda negócios que violam as sanções americanas contra o Irã.

A Huawei é a maior do mundo no ramo de equipament­os de infraestru­tura de telecomuni­cações, para redes de 5G, por exemplo, e a segunda maior fabricante mundial de celulares, depois da Samsung.

Já faz telefones com processado­res tão avançados quanto os da Apple. Fatura mais de US$ 92 bilhões por ano (R$ 356 bilhões, uma Petrobras e uma Vale somadas). Seja qual for o motivo, é tida como ameaça pelos americanos.

Desde 2012, pelo menos, parlamenta­res americanos dizem suspeitar que a Huawei venda equipament­os com aparelhos de espionagem embutidos, além de acusarem a empresa e outras chinesas de roubar tecnologia.

Em agosto, Trump sancionou lei que vai proibir o governo de comprar certos equipament­os da Huawei e de outras chinesas do ramo. A mesma lei, feita com o olho na China, reforça o Comitê de Investimen­to Estrangeir­o, conselho formado por várias agências do governo, responsáve­l por verificar se empresas estrangeir­as representa­m risco para a segurança nacional.

Vários governos e empresas ocidentais, em parte pressionad­os pelos americanos, passaram a recusar negócios com a Huawei, tais como as firmas que ora instalam redes de 5G, o que já aconteceu no Reino Unido e na Austrália.

Pode não ser motivo de recessão ou outros exageros imediatist­as, mas a guerra fria de Trump e, em geral, o desconfort­o ocidental com o progresso chinês estão bulindo não só com os mercados mas com pactos da ordem econômica do mundo.

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