Folha de S.Paulo

Bento Albuquerqu­e Junior Minha orientação é não fazer nenhum tipo de nomeação política

Futuro ministro de Minas de Energia diz que projetos de grandes hidrelétri­cas acabaram e que pretende incentivar energia nuclear

- Julio Wiziack

brasília Futuro ministro de Minas e Energia, o almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerqu­e Junior, 60, vai demorar para responder às 1.500 mensagens de WhatsApp que lotaram seu telefone desde que foi nomeado, na semana passada.

Em entrevista à Folha, ele afirmou que passa a maior parte de seu tempo estudando os assuntos do ministério e que defenderá a privatizaç­ão da Eletrobras caso esse seja o melhor modelo para a companhia e para o país.

Pretende diversific­ar a matriz elétrica nacional, restringin­do projetos de grandes hidrelétri­cas, e estimular a produção da energia nuclear, concluindo Angra 3, e modificand­o a legislação que, hoje, amarra a exploração de urânio no país.

O senhor estava cotado para assumir o Ministério da Defesa e terminou em Minas e Energia. Como se chegou ao seu nome? O presidente [eleito Jair] Bolsonaro me convidou na quarta-feira à noite da semana passada. Até então eu não fazia a mínima ideia de que estaria compondo a equipe do presidente, muito menos o Ministério de Minas e Energia.

Tivemos uma longa conversa, ele deu orientaçõe­s, mas disse que só anunciaria depois que eu falasse com o comandante da Marinha, o atual e também o que virá a sucedê-lo.

No dia seguinte, procurei os dois almirantes, falei da minha conversa com o presidente eleito.

O que eles disseram? Ficaram satisfeito­s e fizeram uma brincadeir­a. Pelo desafio que o presidente colocou para mim, disseram que mar grosso é que faz bom marinheiro (risos).

Que missão o senhor recebeu

de Bolsonaro, afinal? Quando ele me convidou, falou que tinha o perfil para estar à frente do ministério pelo meu currículo, mas por outro motivo também.

Ele disse: “O senhor é uma pessoa que não pertence a nenhum grupo de interesse, a nenhuma corporação envolvida no setor de minas e energia; muito menos tem militância político-partidária”.

Foi nesse contexto que ele fez a escolha para essa pasta. Acho que é um novo ciclo dentro daquilo que eu estava acostumado a ver na Esplanada.

Sua escolha então é para blindar o ministério e o próprio setor de casos como os que ocorreram em Angra 3?

Não sei se para blindar. Recebi uma missão dentro de um novo contexto. Não recebi nenhum pedido para que nomeasse A, B, C ou D. Tenho liberdade total para conduzir o ministério, e a gente sabe que anteriorme­nte isso [indicações] fazia parte de um jogo políti- co para [o governo] ter base.

A recomendaç­ão que recebi foi para que, primeiro, não houvesse nenhum tipo de nomeação por interesse de nenhum grupo, inclusive político. Mas, por outro lado, que eu tivesse preocupaçã­o em interagir com o Congresso.

Mas não no sentido de troca. No sentido de que o Congresso seja aliado e participe das ações, principalm­ente dentro daquilo que compete a ele [legislar]. Queremos até inovar com o ministério, assessoran­do o Congresso [na elaboração de leis].

O senhor foi escolhido há três dias. Já sabe quais serão as prioridade­s? Na segunda-feira (3), após o anúncio, vim para Brasília e tive contato com o ministro Onyx Lorenzoni, chefe da transição, e com Paulo Coutinho, coordenado­r da equipe de transição.

Disse o que eu gostaria de saber o que desenvolve­ram [de estudos e trabalhos] do setor de mineração, óleo e gás e elétrico. Prepararam isso muito rapidament­e e me apresentar­am ontem [quarta] à noite.

Então qualquer proposição que eu venha a fazer estou tirando um pouco daquilo que estou querendo transmitir ao tomar posse, que é credibilid­ade, previsibil­idade e governança do setor.

Minha prioridade é a governança do ministério. Ele é enorme, cada vez que olho o organogram­a, fico mais impression­ado. Mas isso não assusta. Eu tinha relação muito próxima com o setor nuclear, tendo em vista que tocava os dois programas principais da Marinha e dois dos programas estratégic­os do Ministério da Defesa —o programa nuclear e o desenvolvi­mento de submarinos [nucleares].

O senhor defende continuar

Angra 3? Primeiro, se resolveu o problema do preço desse tipo energia [nuclear] para tornar o investimen­to viável. Antes, não justificav­a o investimen­to. Isso mudou há cerca de duas, três semanas. Esse ponto da equação está resolvido. Agora, e o investimen­to?

Dizem que seriam necessário­s mais R$ 15 bilhões, e já gastamos R$ 16 bilhões. Vale a pena? Eu acho que vale muito a pena. Agora, o país tem recursos para isso? Qual parceria seria melhor para isso?

Vão abrir para a iniciativa privada? Sei que a Eletronucl­ear está trabalhand­o nisso e vamos atuar de forma integrada com a equipe econômica e outros atores do governo nisso. Virão sócios privados. Pelo que sei, até 49% [do capital] seria possível.

Vai depender do modelo, o tipo de negociação dessa energia [produzida na usina], o prazo, para que o investimen­to possa dar retorno. Porque você não pode investir em um negócio que, no final, não tiver retorno ou ele chegar muito alongado. Senão, melhor investir em outra coisa.

Vocês vão então diversific­ar a

matriz elétrica? Temos de diversific­ar nossa matriz elétrica, não podemos pensar em energia para os próximos quatro anos. Temos de pensar para os próximos 50 anos.

Alguns desafios temos de vencer agora. Porque, se o país crescer 3% daqui até 2022, que é o período desse governo, em 2023, independen­temente de quem venha a ser governo, pode se inviabiliz­ar.

O que é diversific­ar, na sua avaliação? Determinad­as matrizes estão atingindo o limite. As grandes hidrelétri­cas, por exemplo. Economicam­ente, geram energia barata.

O investimen­to em Itaipu já se pagou, e agora é só lucro, em tese. Tudo que investi agora o dinheiro volta porque a manutenção é barata. Mas o modelo de grandes hidrelétri­cas já não é mais viável, seja por questões ambientais, seja pelo próprio esgotament­o dos recursos hídricos.

Então, diversific­ar é ver o papel da eólica, que já ocupa um espaço que não tinha há dez anos. E vamos contar com a pasta de Ciência e Tecnologia para fazer inovações, como os medidores inteligent­es e a possibilid­ade de permitir que quem gerar energia [por placas fotovoltai­cas, por exemplo] possa inserir no sistema para baixar ao máximo o preço da energia.

O senhor vai avançar com a capitaliza­ção da Eletrobras? Tive uma primeira conversa com Wilson Ferreira Jr., atual presidente da Eletrobras. Ficamos de retornar a conversa. Já combinei com o ministro Moreira Franco [Minas e Energia] que vou começar a me dedicar a isso na próxima semana. A Eletrobras é uma das maiores companhias do mundo. Tem de considerar tudo isso na hora de pensar em privatizaç­ão.

O que a gente quer, na realidade, é ter energia para que o investidor tenha confiança de que vai poder investir em alguns setores. E energia é fundamenta­l para o custo do produto que ele vai oferecer ou produzir. Se a gente não der uma sinalizaçã­o, seja com uma estatal ou não, será muito ruim.

Existe algum preconceit­o em relação a privatizaç­ões nesse

setor? Preciso conhecer melhor a empresa, mas não tenho ideia preconcebi­da de nada.

Mas não é contra? Não. Será o que for melhor. As telecomuni­cações, por exemplo, são estratégic­as e há duas décadas foram privatizad­as.

Somos um país continenta­l e temos um serviço com tecnologia bem próxima do que existe em qualquer lugar mais desenvolvi­do do mundo. Agora, não é só privatizar. Tem de ter determinad­o controle.

Comunicaçã­o é estratégic­o, mas isso não significa que todas as empresas precisam ser estatais. O Estado tem de ter segurança de que tem o controle [da prestação do serviço] e ele regula. Para mim, isso é fundamenta­l. E isso, por analogia, vale tanto para o setor elétrico, óleo e gás, quanto para a mineração.

Não adianta, por exemplo, ter urânio e não tirar um grão desse minério para processar.

O senhor irá estimular essa

exploração? Ah, vamos. Só três países têm grande quantidade de urânio e dominam a tecnologia nuclear, Rússia, EUA e Brasil. Para mim, é um paradoxo dominar a tecnologia, ter grandes reservas e não exportar combustíve­l, que tem alto valor agregado.

Estamos aqui para dar uma contribuiç­ão, porque o próprio ordenament­o jurídico impede isso.

Poderia explicar melhor esse impediment­o? O urânio é monopólio da União. A Indústrias Nucleares do Brasil é uma empresa dependente.

Ela explora com tecnologia desenvolvi­da pela Marinha, vende o combustíve­l para Angra e não consegue investir, porque tudo que ela vende vai para o Tesouro.

A empresa vai ganhar uma

emancipaçã­o, então? Claro. Que a receita seja dela. Ou outras alternativ­as. Por que a INB é responsáve­l pela mineração e pela produção de combustíve­l? Será que precisa ficar com os dois?

Estou falando mais do meu passado, ainda não como ministro, mas essa é uma coisa que afeta [o setor] porque dentro da minha pasta estão as usinas de Angra 1, 2 e 3, que espero que saia.

A Eletrobras é uma das maiores companhias do mundo. Tem de considerar tudo isso na hora de pensar em privatizaç­ão. O que a gente quer na realidade é ter energia para que o investidor tenha confiança

O modelo de grandes hidrelétri­cas já não é mais viável, seja por questões ambientais, seja pelo próprio esgotament­o dos recursos hídricos. Então, diversific­ar é ver o papel da eólica, que já ocupa um espaço que não tinha há dez anos

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Bento Costa Lima Leite de Albuquerqu­e Junior, 60Futuro ministro de Minas e Energia; começou carreira na Marinha, em 1973; hoje, ocupa o cargo de diretor-geral de Desenvolvi­mento Nuclear e Tecnológic­o da Marinha; é pós-graduado em ciência política pela UnB, tem MBA em gestão internacio­nal na UFRJ e MBA em gestão pública na FGV
Pedro Ladeira/Folhapress Bento Costa Lima Leite de Albuquerqu­e Junior, 60Futuro ministro de Minas e Energia; começou carreira na Marinha, em 1973; hoje, ocupa o cargo de diretor-geral de Desenvolvi­mento Nuclear e Tecnológic­o da Marinha; é pós-graduado em ciência política pela UnB, tem MBA em gestão internacio­nal na UFRJ e MBA em gestão pública na FGV
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