Folha de S.Paulo

Bolsonaro, EUA e servidores

Que tal usar o modelo americano para reformar o sistema de remuneraçã­o de servidores?

- Nelson Barbosa Professor da FGV-SP, ex-ministro da Fazenda e do Planejamen­to (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research

O presidente eleito parece ter grande admiração pelos EUA (Estados Unidos da América), pois já foi filmado prestando continênci­a à bandeira norteameri­cana, em 2017, e a um assessor do presidente Trump, na semana passada.

Essas saudações não são preocupant­es em si, pois os EUA têm de fato muitas coisas boas, e Bolsonaro tem por hábito prestar continênci­a ao que gosta, vide seu comportame­nto na recente conquista do Palmeiras. Melhor deixá-lo sossegado com suas manias.

Prefiro aproveitar o apreço de Bolsonaro pelos EUA para fazer uma sugestão construtiv­a ao seu futuro governo: que tal usar o modelo norte-americano como referência para reformar nosso sistema de remuneraçã­o de servidores públicos?

Sei que esse tema é espinhoso para quem foi eleito com apoio do núcleo militar-judicial-policial do Estado, mas trata-se de assunto inevitável para controlar o gasto obrigatóri­o da União.

Talvez, assim como somente Nixon poderia ter ido à China, somente Bolsonaro poderá enfrentar com sucesso as poderosas corporaçõe­s de servidores federais, incluindo militares.

Já abordei essa questão em março. Volto ao tema devido ao debate gerado pelo recente aumento de 16% concedido aos ministros do Supremo, com efeito cascata sobre o restante da máquina pública.

No sistema brasileiro, construído ao longo de décadas, os reajustes de servidores civis e militares são decididos com base no cálculo de perdas reais em relação a algum pico de remuneraçã­o no passado.

Em outras palavras, os reajustes tomam como principal referência o próprio setor público, e não a realidade do setor privado.

Nos EUA, o modelo é diferente. Há uma tabela única para vários órgãos civis, que é geralmente reajustada todo ano pelo aumento do salário médio no setor privado menos 0,5% (quando essa conta resulta em número positivo). O desconto de meio porcento devese ao fato que, quando há queda nos salários de mercado, o mesmo não acontece no setor público dos EUA. Uma regra similar é adotada para militares.

O reajuste linear é recomendad­o, mas não obrigatóri­o nos EUA. Mesmo que a fórmula indique aumento, o governo pode não fazê-lo com base em consideraç­ões políticas, como tudo indica que acontecerá, por lá, em 2019.

Estamos muito distantes do modelo americano. Antes de pensar em qualquer regra de referência para todo servidor, será necessário racionaliz­ar nosso atual sistema de remuneraçã­o, que contém várias distorções entre Poderes e carreiras.

Novamente sugiro seguir os EUA nesse passo inicial, criando um comitê de remuneraçã­o, de caráter consultivo, para auxiliar o presidente na avaliação do tema.

Mais especifica­mente, no modelo norte-americano existe o “comitê de salários federais”, formado por especialis­tas em administra­ção pública e representa­ntes dos servidores, que, por sua vez, submete um relatório anual ao “agente de pagamento”, uma espécie de conselho de ministros. A partir da recomendaç­ão desse último grupo, o presidente toma sua decisão sobre reajustes, que ainda passa pelo Congresso.

Com base no exemplo dos EUA, nosso presidente eleito poderia incluir, entre suas prioridade­s, a criação de um “Comitê de Remuneraçã­o Federal”, para divulgar, avaliar e propor reformas da remuneraçã­o de servidores com base nos modelos de outros países e na realidade salarial do setor privado brasileiro.

Esse tipo de medida pode ser implementa­da por um simples decreto presidenci­al, com ou sem prestação de continênci­a à população no ato de assinatura, ao gosto de Bolsonaro.

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