Com um passo atrás no discurso, Bolsonaro pode liderar sustentabilidade
Criar tensões entre ambientalistas e setor produtivo é prejudicial para a economia do país, diz diretor de organização internacional
são paulo Mesmo com o desprestígio da área ambiental em seu discurso —evidenciado pela posição contrária ao Acordo de Paris e à quase fusão do Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultura—, o presidente eleito, Jair Bolsonaro ainda pode criar um modelo de desenvolvimento sustentável.
A análise é de Justin Adams, diretor da TFA 2020 (aliança pelas florestas tropicais, em tradução livre). A organização, que agrega setores públicos e privados relacionados à produção agrícola e à questão ambiental, foi fundada durante a Rio+20, em 2012 e tem como um dos principais objetivos, o fim do desmatamento, até 2020, na produção de commodities —como soja e carne.
O plano não será concretizado no prazo, segundo o diretor da organização, sediada no Fórum Econômico Mundial, em Genebra, e financiada pelos Países Baixos, Noruega e Reino Unido.
“Desmatamento relacionado a commodities ainda é a maior fonte de destruição no mundo. Quando o compromisso foi feito, não se sabia como isso [zerar o desmate] seria feito”, diz Adams. “Agora fala-se sobre 2030 para eliminar o desmatamento, o que acho mais realista. Temos que ser mais realistas, em alguns lugares vamos perder floresta, mas também estaremos recuperando em outros.”
Para Adams, é nesse cenário que o Brasil e o futuro governo Bolsonaro entram como possíveis líderes e exemplos a serem seguidos no desenvolvimento sustentável.
Entre as dificuldades para a concretização disso estariam a oposição “agropecuária-ambiente” e também o receio da interferência internacional no Brasil.
Adams diz que esses discursos dificultam o avanço das agendas ambientais e agrícolas e que, para se consolidar ainda mais como superpotência agropecuária, o Brasil precisa superar a discussão.
“O Brasil deveria advogar por sustentabilidade na agricultura [...]para vender mais. Se trabalharmos bem [...], isso é completamente alinhado com as prioridades agrícolas da nova administração e também com as de várias organizações ambientais”, diz
Outro erro nas discussões ambientais e agropecuárias é tomar o aquecimento global como uma questão política, diz Adams. Trata-se de um problema científico. Portanto, o Brasil deixar o Acordo de Paris significaria retrocesso e enfraquecimento das possibilidades de ação para conter a mudança do clima.
O que podemos esperar da COP-24, considerando o nada animador último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU)? Toda a ciência está nos dizendo is-
“Eu acho que muitas sociedades estão preocupadas com o futuro, com perspectivas econômicas, emprego, imigração, ambiente. São desafios complexos. Eu acho que a psique humana gosta da ideia de que há soluções fáceis, respostas fáceis. Assuntos complexos não podem ser resolvidos com soluções simples
to: nós temos dez anos antes que a mudança no clima se torne realmente devastadora para várias partes do mundo.
A urgência para agir é muito clara. O desafio é como transformar isso em ações. Os países não estão fazendo o suficiente. Ainda estamos menosprezando o clima em relação a outros desafios. É totalmente compreensível que a nova administração tenha como prioridade reaquecer a economia. Mas precisamos achar maneiras de crescer sem uma grande pegada de carbono.
E o setor agropecuário tem um enorme papel nisso. O último relatório do IPCC mostrou quão essenciais florestas e uso da terra são para alcançar os compromissos de Paris e ir além deles.
Bolsonaro declarou que poderá tirar o Brasil do Acordo de Paris. O desafio climático possivelmente é um dos primeiros globais que enfrentamos nesse novo mundo globalizado. A atmosfera não se importa de onde vem o carbono. O que Paris fez foi trazer a comunidade internacional em conjunto à pergunta “o que podemos fazer?”
Sair do acordo...não há ninguém impondo, dando sermão no Brasil sobre o que deve fazer em relação a Paris. É sobre fazer o seu melhor. O Brasil pode liderar o mundo no assunto e demandar mais dos outros países.
Sair do acordo de Paris é dizer que o multilateralismo não é importante. E, pessoalmente, acho que isso é um retrocesso. E enfraquece instituições internacionais e significativamente nossa habilidade de lidar com o problema.
Temos que parar de tratar o aquecimento global como questão política. Não é. É ciência, problema científico. E devemos às futuras gerações nossos melhores esforços.
Negar a ciência parece uma tendência atual. É uma tendência preocupante. De novo, sem tentar criticar indivíduos, mas eu acho que muitas sociedades estão preocupadas com o futuro, com perspectivas econômicas, emprego, imigração, ambiente. São desafios complexos. Eu acho que a psique humana gosta da ideia de que há soluções fáceis, respostas fáceis. Assuntos complexos não podem ser resolvidos com soluções simples.
Eu me preocupo que a negação da ciência, que vemos nos EUA, tenha a intenção de dar ao eleitor uma resposta simples para que eles se sintam bem no curto prazo.
O que precisamos é de multilateralismo. E precisamos de instituições que possam mediar as tensões entre diferentes setores. É isso que estamos tentando fazer.
Eu não estou no Brasil para falar o que o Brasil deve fazer. Estou aqui para ouvir produtores, governo, organizações ambientalistas e ajudar a encontrar um caminho.
Acredito que o sr. já deve ter escutado algumas das ideias do discurso Bolsonaro e alas próximas , de que o ambiente atrasa a agricultura e que é necessário ser menos radical em relação à conservação. Muito da retórica é relacionada a um ser oposição ao outro. Se não tivermos um ambiente saudável, não conseguiremos cultivar alimentos. E se não pudermos cultivar, não podemos sustentar a população, não podemos fazer a economia crescer. É sobre como trazemos esses pontos junto e os balanceamos.
E se isso é o que ele está falando, há uma oportunidade para como a agricultura pode crescer no Brasil e como isso pode ser feito ainda conservando a floresta.
Se você implementa o código florestal, você tem oportunidades significativas para a proteção da floresta e para a restauração. Isso se torna uma vitrine para o Brasil na hora das vendas para o exterior.
Mais e mais consumidores ao redor do mundo estão demandando alimentos sustentáveis. Eles querem saber de onde veio, se desmatamento é parte disso. Essa é a mensagem que o Brasil pode mandar para o mundo.
Ao invés de criar essa tensão [entre ambiente e agropecuária], há uma chance de alinhar interesses governamentais, de produtores, do mercado internacional e de ambientalistas. Mas isso requer dar um passo atrás na retórica.