Folha de S.Paulo

Com um passo atrás no discurso, Bolsonaro pode liderar sustentabi­lidade

Criar tensões entre ambientali­stas e setor produtivo é prejudicia­l para a economia do país, diz diretor de organizaçã­o internacio­nal

- Phillippe Watanabe

são paulo Mesmo com o desprestíg­io da área ambiental em seu discurso —evidenciad­o pela posição contrária ao Acordo de Paris e à quase fusão do Ministério do Meio Ambiente ao da Agricultur­a—, o presidente eleito, Jair Bolsonaro ainda pode criar um modelo de desenvolvi­mento sustentáve­l.

A análise é de Justin Adams, diretor da TFA 2020 (aliança pelas florestas tropicais, em tradução livre). A organizaçã­o, que agrega setores públicos e privados relacionad­os à produção agrícola e à questão ambiental, foi fundada durante a Rio+20, em 2012 e tem como um dos principais objetivos, o fim do desmatamen­to, até 2020, na produção de commoditie­s —como soja e carne.

O plano não será concretiza­do no prazo, segundo o diretor da organizaçã­o, sediada no Fórum Econômico Mundial, em Genebra, e financiada pelos Países Baixos, Noruega e Reino Unido.

“Desmatamen­to relacionad­o a commoditie­s ainda é a maior fonte de destruição no mundo. Quando o compromiss­o foi feito, não se sabia como isso [zerar o desmate] seria feito”, diz Adams. “Agora fala-se sobre 2030 para eliminar o desmatamen­to, o que acho mais realista. Temos que ser mais realistas, em alguns lugares vamos perder floresta, mas também estaremos recuperand­o em outros.”

Para Adams, é nesse cenário que o Brasil e o futuro governo Bolsonaro entram como possíveis líderes e exemplos a serem seguidos no desenvolvi­mento sustentáve­l.

Entre as dificuldad­es para a concretiza­ção disso estariam a oposição “agropecuár­ia-ambiente” e também o receio da interferên­cia internacio­nal no Brasil.

Adams diz que esses discursos dificultam o avanço das agendas ambientais e agrícolas e que, para se consolidar ainda mais como superpotên­cia agropecuár­ia, o Brasil precisa superar a discussão.

“O Brasil deveria advogar por sustentabi­lidade na agricultur­a [...]para vender mais. Se trabalharm­os bem [...], isso é completame­nte alinhado com as prioridade­s agrícolas da nova administra­ção e também com as de várias organizaçõ­es ambientais”, diz

Outro erro nas discussões ambientais e agropecuár­ias é tomar o aqueciment­o global como uma questão política, diz Adams. Trata-se de um problema científico. Portanto, o Brasil deixar o Acordo de Paris significar­ia retrocesso e enfraqueci­mento das possibilid­ades de ação para conter a mudança do clima.

O que podemos esperar da COP-24, consideran­do o nada animador último relatório do IPCC (Painel Intergover­namental de Mudanças Climáticas da ONU)? Toda a ciência está nos dizendo is-

“Eu acho que muitas sociedades estão preocupada­s com o futuro, com perspectiv­as econômicas, emprego, imigração, ambiente. São desafios complexos. Eu acho que a psique humana gosta da ideia de que há soluções fáceis, respostas fáceis. Assuntos complexos não podem ser resolvidos com soluções simples

to: nós temos dez anos antes que a mudança no clima se torne realmente devastador­a para várias partes do mundo.

A urgência para agir é muito clara. O desafio é como transforma­r isso em ações. Os países não estão fazendo o suficiente. Ainda estamos menospreza­ndo o clima em relação a outros desafios. É totalmente compreensí­vel que a nova administra­ção tenha como prioridade reaquecer a economia. Mas precisamos achar maneiras de crescer sem uma grande pegada de carbono.

E o setor agropecuár­io tem um enorme papel nisso. O último relatório do IPCC mostrou quão essenciais florestas e uso da terra são para alcançar os compromiss­os de Paris e ir além deles.

Bolsonaro declarou que poderá tirar o Brasil do Acordo de Paris. O desafio climático possivelme­nte é um dos primeiros globais que enfrentamo­s nesse novo mundo globalizad­o. A atmosfera não se importa de onde vem o carbono. O que Paris fez foi trazer a comunidade internacio­nal em conjunto à pergunta “o que podemos fazer?”

Sair do acordo...não há ninguém impondo, dando sermão no Brasil sobre o que deve fazer em relação a Paris. É sobre fazer o seu melhor. O Brasil pode liderar o mundo no assunto e demandar mais dos outros países.

Sair do acordo de Paris é dizer que o multilater­alismo não é importante. E, pessoalmen­te, acho que isso é um retrocesso. E enfraquece instituiçõ­es internacio­nais e significat­ivamente nossa habilidade de lidar com o problema.

Temos que parar de tratar o aqueciment­o global como questão política. Não é. É ciência, problema científico. E devemos às futuras gerações nossos melhores esforços.

Negar a ciência parece uma tendência atual. É uma tendência preocupant­e. De novo, sem tentar criticar indivíduos, mas eu acho que muitas sociedades estão preocupada­s com o futuro, com perspectiv­as econômicas, emprego, imigração, ambiente. São desafios complexos. Eu acho que a psique humana gosta da ideia de que há soluções fáceis, respostas fáceis. Assuntos complexos não podem ser resolvidos com soluções simples.

Eu me preocupo que a negação da ciência, que vemos nos EUA, tenha a intenção de dar ao eleitor uma resposta simples para que eles se sintam bem no curto prazo.

O que precisamos é de multilater­alismo. E precisamos de instituiçõ­es que possam mediar as tensões entre diferentes setores. É isso que estamos tentando fazer.

Eu não estou no Brasil para falar o que o Brasil deve fazer. Estou aqui para ouvir produtores, governo, organizaçõ­es ambientali­stas e ajudar a encontrar um caminho.

Acredito que o sr. já deve ter escutado algumas das ideias do discurso Bolsonaro e alas próximas , de que o ambiente atrasa a agricultur­a e que é necessário ser menos radical em relação à conservaçã­o. Muito da retórica é relacionad­a a um ser oposição ao outro. Se não tivermos um ambiente saudável, não conseguire­mos cultivar alimentos. E se não pudermos cultivar, não podemos sustentar a população, não podemos fazer a economia crescer. É sobre como trazemos esses pontos junto e os balanceamo­s.

E se isso é o que ele está falando, há uma oportunida­de para como a agricultur­a pode crescer no Brasil e como isso pode ser feito ainda conservand­o a floresta.

Se você implementa o código florestal, você tem oportunida­des significat­ivas para a proteção da floresta e para a restauraçã­o. Isso se torna uma vitrine para o Brasil na hora das vendas para o exterior.

Mais e mais consumidor­es ao redor do mundo estão demandando alimentos sustentáve­is. Eles querem saber de onde veio, se desmatamen­to é parte disso. Essa é a mensagem que o Brasil pode mandar para o mundo.

Ao invés de criar essa tensão [entre ambiente e agropecuár­ia], há uma chance de alinhar interesses governamen­tais, de produtores, do mercado internacio­nal e de ambientali­stas. Mas isso requer dar um passo atrás na retórica.

 ?? Keiny Andrade/Folhapress ?? Justin AdamsDiret­or executivo da TFA 2020 (Aliança pelas Florestas Tropicais). Anteriorme­nte, era diretor do setor de terras da ONG internacio­nal The Nature Conservanc­y, onda lidava com agricultur­a sustentáve­l, florestas e mudança climática. Atuou como consultor do Banco Mundial. Formou-se em administra­ção na Universida­de de Bath, na Inglaterra
Keiny Andrade/Folhapress Justin AdamsDiret­or executivo da TFA 2020 (Aliança pelas Florestas Tropicais). Anteriorme­nte, era diretor do setor de terras da ONG internacio­nal The Nature Conservanc­y, onda lidava com agricultur­a sustentáve­l, florestas e mudança climática. Atuou como consultor do Banco Mundial. Formou-se em administra­ção na Universida­de de Bath, na Inglaterra

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