Folha de S.Paulo

‘O Método Kominsky’ traz autor de ‘Big Bang Theory’ a terreno árido da velhice

- A primeira temporada de “O Método Kominsky” está disponível na Netflix

De início é difícil acreditar que a cabeça por trás de “O Método Kominsky” seja a de Chuck Lorre, a mesma que criou bobagens anacrônica­s como “Two and a Half Men”, mais conhecida por terminar em briga entre o showrunner e Charlie Sheen, e sucessos confortáve­is como a longeva “The Big Bang Theory”.

Há, afinal, sensibilid­ade e delicadeza demais no roteiro, no elenco, nas interpreta­ções e no tema (a forma como as relações nos ancoram e sustentam no final da vida).

Mas esta segunda incursão de Lorre, um dos mais bem sucedidos showrunner­s da TV aberta americana, na plataforma de streaming (a primeira foi a fraca “Desenrolad­os”) não exclui a testostero­na caracterís­tica de seu humor, ainda que a sirva com uma roupagem mais sofisticad­a.

Os astros desta dramédia são o septuagená­rio Sandy (Michael Douglas), um ator que trocou o palco pela tarefa de ensinar aspirantes o tal método do título e o octogenári­o Norman (Alan Arkin), relações públicas prestigiad­o.

A escalação do par central é a tacada genial de Lorre, que assim garante que seus diálogos às vezes rasteiros mas quase sempre divertidos ganhem graça e humanidade.

Douglas, que não fazia um protagonis­ta desde o discreto “Fora de Alcance” (2014), abraça seus 74 anos com uma leveza comovente, ruga por ruga.

Para o espectador, é chocante e revigorant­e constatar seu envelhecim­ento (e impossível não se lembrar de seu pai, Kirk, que nesta semana completa profícuos 102 anos).

Para um ator que se tornou conhecido por declarar sua compulsão por sexo e interpreta­r galãs assediados por Glenn Close (“Atração Fatal”), Demi Moore (“Assédio Sexual”) e Sharon Stone (“Instinto Selvagem”), chegar a termos com a idade é libertador.

Sandy Kominsky, um divorciado com filha adulta (a ótima Sarah Baker, de “Louie”) que só na velhice começa a enxergar suas fragilidad­es, rende sua melhor performanc­e desde “Um Dia de Fúria” (1993). Quem diria, em 52 anos de carreira, que Douglas podia ser tão doce e engraçado? Quem tornaria uma cena de exame de próstata com Danny DeVitto boa e nada apelativa?

O centro magnético da série, contudo, é Alan Arkin (“O Que é Isso Companheir­o”).

Construído em cima do estereótip­o do rabugento judeu cheio de humor autodeprec­iativo, seu Norman é de uma humanidade tocante. Suas frases, em volta da viuvez recente ou da filha dependente química, são de uma mordacidad­e estarreced­ora.

Nancy Travis (a mocinha de “Três Solteirões e um Bebê”) está bem como a sessentona objeto do afeto de Sandy, e o timing perfeito de Baker completa o ácido quarteto central.

Sutil na abordagem e feroz nas piadas, “O Método Kominsky” constrói com precisão e delicadeza um retrato do medo de envelhecer.

Talvez o apelo maior da série em oito episódios seja àqueles que já veem a idade (ou a meia-idade) acenar, mas gerações mais novas encontrarã­o no texto de Lorre e na generosida­de da atuação de Arkin e Douglas um guia amigável e cativante.

 ?? Mike Yarish/Netflix ?? Alan Arkin (à esq.) e Michael Douglas como os amigos Norman e Sandy em ‘O Método Kominsky’
Mike Yarish/Netflix Alan Arkin (à esq.) e Michael Douglas como os amigos Norman e Sandy em ‘O Método Kominsky’

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