Folha de S.Paulo

Venezuelan­os improvisam caixão de cartolina

Enquanto falta gás em crematório­s, conseguir espaço em cemitério é difícil

- Fernando Donasci/Folhapress

A crise econômica da Venezuela chegou aos funerais. Os mais pobres têm recorrido a vaquinhas para tirar corpos de parentes mortos de necrotério­s públicos e improvisad­o para enterrá-los.

“Levei cinco dias para juntar dinheiro para recolher o corpo do meu pai e outros sete para achar um espaço no cemitério”, afirmou Willy Olmedo, 25, à enviada a Caracas Sylvia Colombo.

Sem recursos para o enterro, sua família precisou construir um caixão de cartolina.

Opções mais baratas que os sepultamen­tos, como cremações, vêm sendo canceladas por falta de gás.

Entre os mais ricos, o problema têm sido profanaçõe­s de sepulturas e furtos de placas de metais preciosos, impulsiona­dos por inflação anual de 1.000% e falta de papel-moeda.

Reflexos da crise humanitári­a em que está mergulhada a Venezuela são sentidos até na hora de os venezuelan­os enterrarem os parentes.

“Levei cinco dias para juntar dinheiro para recolher o corpo do meu pai do necrotério, outros sete para achar um espaço no cemitério. Quando não tinha mais como pedir dinheiro a parentes e amigos para mais nada, decidi que faríamos, com meus irmãos, um caixão com cartolina. Mas foi tudo com muito amor e oração, sei que ele agora finalmente está em paz.”

O relato comovido de Willy Olmedo, 25, do município de Sucre, na região metropolit­ana de Caracas, à Folha, resume alguns desses percalços.

“Aqui mesmo já vi alguns sendo enterrados em lençóis, coisa que só tinha escutado que estava acontecend­o no interior, agora chegou aos subúrbios de Caracas”, diz.

Ele conseguiu enterrar o pai em um cemitério convencion­al, mas para os mais pobres isso ficou fora do alcance. Em outra parte do município de Sucre, moradores que não conseguem pagar pelo enterro em um local legalizado passaram a sepultar seus parentes em um terreno baldio, sem licença.

Se entre os estratos mais pobres da população falta dinheiro para tirar o corpo de um necrotério público —trâmite antes gratuito, mas hoje sujeito à cobrança de subornos—, conseguir espaço num cemitério e até comprar um caixão simples, entre os de classe média ou mais endinheira­dos o problema passa também por outros procedimen­tos, como cremar ou embalsamar. Muito comum também se tornaram as profanaçõe­s de sepulturas, atrás de objetos de valor, e o roubo das placas de ouro ou bronze.

“Tiraram as placas com o nome de todos os meus familiares. Tivemos de reunir os parentes aqui para fazer um mapa baseado em nossas lembranças para lembrar quem está onde. Foi muito doloroso, como reviver cada funeral”, diz Norma Herrera, 52, ao mostrar à reportagem o lote da família, com buracos nos locais das placas, no tradiciona­l Cementerio del Este.

Se no começo as cremações passaram a ser comuns, por conta dos custos de um funeral tradiciona­l, agora nem estas podem ser feitas em todos os estados do país. Em Zulia, por exemplo, como reportou a Reuters, Angelica Vera, 27, não pôde cremar o pai, por falta de gás no cemitério local.

“Essas coisas fazem que a tragédia da morte continue acentuando a tristeza da ausência de um parente”, conta Herrera, enquanto mostra, caminhando pelo cemitério caraquenho, algumas sepulturas com o cartaz: “Esta aqui já foi violada”.

“Quase coloquei um cartaz assim na nossa. Porque não basta recolocar as placas, reformar sepulturas, se você pode ter de enfrentar isso tudo de novo”, disse Herrera.

Com a inflação projetada pelo FMI em 1.000% para este ano e a crise gerada pela falta de papel-moeda no mercado, há uma busca extra por metais e pedras preciosas.

Além da migração para as regiões de mineração do país, outra fonte para obtê-los é por meio do roubo de joias, pedras preciosas, bancos que guardam ouro e, por que não, violação de sepulturas e roubos de placas em lápides.

“Essas coisas fazem que a tragédia da morte continue acentuando a tristeza da ausência de um parente Norma Herrera, 52 venezuelan­a

 ??  ?? Maya Gabeira em Nazaré (Portugal), onde quase morreu em 2013 e surfou neste ano onda de 20,7 metros, um recorde
Maya Gabeira em Nazaré (Portugal), onde quase morreu em 2013 e surfou neste ano onda de 20,7 metros, um recorde
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Venezuelan­os em Maracaibo cavam buraco no quintal de casa para enterrar familiar
 ??  ?? Familiares enterram venezuelan­o embrulhado em lençol no quintal de casa
Familiares enterram venezuelan­o embrulhado em lençol no quintal de casa

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