Folha de S.Paulo

Maya Gabeira supera trauma e entra no Livro dos Recordes

Em 2018, surfista brasileira teve marca de maior onda reconhecid­a pela liga mundial do esporte

- Bruno Rodrigues Fernando Donasci/Folhapress

Maya Gabeira, 31, esteve perto da morte em 2013, quando desafiou a onda gigante da Praia do Norte, em Nazaré, Portugal. A surfista brasileira tentava bater o recorde de maior onda surfada, que à época pertencia ao norte-americano Garrett McNamara —78 pés ou 23,8 m.

Naquele dia, não houve diálogo entre Maya e o mar. Assim que caiu da prancha, ela foi engolida pela água, que a envolveu em um turbilhão.

A sequência de ondas pesadas sobre seu corpo deixou-a inconscien­te e quebrou seu tornozelo direito. Graças a Carlos Burle, seu técnico e grande amigo, foi resgatada e levada para a areia, onde precisou ser reanimada.

Para muitas pessoas que enfrentam situações extremas, é natural que se evite reviver o ambiente que lhe causou tamanho trauma. Para o atleta de alto nível, porém, retornar a essa lembrança pode ser um combustíve­l para superá-la. Foi o que fez Maya Gabeira.

A carioca se mudou de Los Angeles, nos Estados Unidos, para Nazaré em 2015. Foi vivera o lado da onda que quase lhe tirou avida.

Nesse período pós-acidente, passou por duas cirurgias na coluna, inúmeras sessões de fisioterap­ia, treinos na água e acompanham­ento psicológic­o. Mayaa prendeu a conviver com uma série de sensações novas.

O baque foi tão forte que ela procurava evitar supermerca­dos ou lugares lotados de gente. Diminuiu também o número de viagens que fazia, se japara competir, atendera eventos de patrocinad­ores ou visitara família.

Apesar de tudo isso, seu foco nunca deixou de ser um só: bater o recorde de Nazaré.

Em 18 de janeiro deste ano, a brasileira completou uma onda de 20,7 m (ou 68 pés), a maior de sua carreira. E a maior já surfada por uma mulher na história do esporte, feito que a colocou no Guiness Book.

“Foram dias muito difíceis, era uma onda que a gente estava explorando há algum tempo, tinha muita expectativ­a em cima daquele dia, daquele surfe. E poder sair com uma onda bem surfada foi extremamen­te gratifican­te”, diz Maya à Folha, por telefone, de sua casa em Portugal.

A caminhada até o reconhecim­ento pelo livro dos recordes, porém, foi quase tão árdua quanto o processo de atingir a marca. Dessa vez, sua batalha aconteceu fora da água, nos bastidores.

A marca de Garrett McNamara era a única reconhecid­a para a modalidade de ondas gigantes. Não havia distinção entre a maior onda surfada por um homem e a maior surfada por uma mulher.

Maya batalhou por isso e pressionou a WSL (siga em inglês da Liga Mundial de Surfe) para que a entidade convencess­e o Guiness a abrir uma categoria feminina.

Na liga, encontrou na australian­a Jessi Miley-Dier, diretora de desenvolvi­mento dos atletas, uma grande aliada para legitimar seu recorde, que foi anunciado pela WSL em conjunto com o Guiness Book no último dia 1º de outubro.

“Tive que correr atrás, porque já estava ficando muito demorado, eu estava um pouco sem paciência. Existiu um trabalho, um esforço meu de mostrar que era necessário, de que tinha uma urgência, de que tinha que acontecer. Batalhar por aquilo. Natural que eu fosse a primeira pes- soa a conquistar esse recorde. Isso abriu as portas, porque uma atleta agora não vai precisar ter esse trabalho de criação de uma categoria”, diz.

O sucesso da brasileira na empreitada burocrátic­a se soma a outra decisão importante para o fortalecim­ento do surfe feminino. Em setembro, a WSL anunciou que a partir de 2019 todos os eventos controlado­s pela entidade terão prêmios iguais para homens e mulheres. Decisão comemorada por Maya.

“Achei maravilhos­o .[ O surfe] Sempre foi um esporte visto como masculino. A Liga toma ressa atitude de igualara premiação é um grande passo não só para fazer crescer o esporte feminino profission­al, mas também igualaras oportunida­des no âmbito financeiro ”.

Desbrava rono voe ser pioneira em um cenário tão masculino como aindaéo surfe profission­al não representa propriamen­te uma novidade na carreira de Maya Gabeira.

Em 2009, abrasileir­as e tornou a primeira mulher a surfa rondas gigantes nas águas geladas do Alasca.

Em 2011, foi ao Taiti enfrentar Teahupoo (que significa “praia dos crânios quebrados”, em taitiano), uma das ondas mais temidas e perigosas do mundo em razão da bancada rasa de corais que reside no fundo da praia. Foi derrubada e, assim como em Nazaré, deixou a água inconscien­te.

Dois anos depois, após treinara apneia( suspensão voluntária da respiração) e pegar mais experiênci­a nos tubos de Puer to Escondido, no México, ela retornou ao Taiti para encarar novamente Teahupoo, e teve sucesso.

“Eu sempre fui assim, de me dedicar muito a uma onda, um lugar que eu achava que era importante para o esporte e para minha evolução”, afirma a surfista.

Oque mais amove ?“Coisas ainda não feitas, explorar, descobrir os lugares, as ondas, o meu limite. Sera primeira. Muitas das coisas que eu fiz fui a primeira mulher a fazer. Gosto dedares se passo inicial, abrir aportei rapara as próximas .”

Com o recorde e o reconhecim­ento alcançados, Maya Gabeira ainda desfruta as glórias recentes da carreira e não sabe quais serão seus próximos desafios no esporte.

O que ela não consegue é dissociar-se do mar. Como no acidente de 2013, em que seu processo de recuperaçã­o envolveu a mudança para Nazaré para ficar colada na praia onde viveu seu maior trauma. A proximidad­e coma água permeia sua vida até mesmo nos sonhos sem aprancha de surfe.

“Adora riadara volta ao mundo em um veleiro. É meu próximo sonho”.

“O surfe sempre foi um esporte visto como masculino. A Liga tomar essa atitude de igualar a premiação entre homens e mulheres é um grande passo não só para fazer crescer o esporte feminino profission­al, mas também igualar as oportunida­des no âmbito financeiro Maya Gabeira

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A brasileira Maya Gabeira em praia de Nazaré, Portugal, onde foi morar após sofrer acidente em onda gigante, em 2013 Maya Gabeira, 31 Nascida em 10.abr.1987 no Rio, é pentacampe­ã mundial do Big Wave Awards, o principal prêmio das ondas gigantes
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Brian Bielmann/AFP GABRIEL MEDINA SE PREPARA PARA ETAPA FINAL NO HAVAÍ Surfista brasileiro pega uma onda em Pipeline, onde é o favorito para conquistar o título mundial
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