Há ‘diálogo no fim do túnel’ com ministra-pastora, diz Aliança LGBTI
Nomeada por Bolsonaro para Mulher, Família e Direitos Humanos é alvo de bancada evangélica
são paulo Futura ministra de Mulher, Família e Direitos Humanos, a pastora evangélica Damares Alves pode até ter posições indigestas, na ótica progressista, sobre aborto (é contra), feminismo (já disse que “mulher nasce para ser mãe”) e liberação das drogas (usuários ficam “abestados” e viram “massa de manobra”).
Mas ela não é tão ruim assim quando o assunto é direitos LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, transgêneros e intersexuais), na opinião de Toni Reis, uma das principais lideranças brasileiras dessa comunidade.
Com Damares “há, no fim do túnel, uma possibilidade de diálogo”, afirma ele, presidente da Aliança Nacional LGBTI+. “Não é uma pessoa que falou que não existimos.”
Ele destaca à Folha que, logo após o anúncio de que integraria a Esplanada de Jair Bolsonaro, a pastora usou a flexão feminina ao falar “as travestis” e disse “orientação sexual”, e não “opção sexual”, já que o grupo não vê a sexualidade como algo optativo.
Damares afirmou que, se preciso for, estará “nas ruas com as travestis, nas portas das escolas com as crianças que são discriminadas por sua orientação sexual”, discurso que agradou Toni e desagradou a lideranças evangélicas.
“Ela também falou sobre o mercado de trabalho para pessoas trans, o que é um problema sério para nós”, afirma.
É a última entrevista de Toni Reis, avisa. Neste sábado (8), com um sapato de solado nas cores do arco-íris, casa-se na Igreja Anglicana com o parceiro de 29 anos, de quem pega o sobrenome: vira Toni Harrad.
Conta que estava satisfeito com a união estável dos dois, mas achou melhor casar logo após a vitória de Bolsonaro, que já declarou preferir um filho morto em acidente a um que seja homossexual.
Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça aprovou resolução que obriga todos os cartórios a celebrar o casamento homoafetivo. Há receio, na comunidade, de que o próximo governo, com inclinação conservadora no Executivo e no Legislativo, reverta o jogo.
A nomeação de Damares, nesse contexto, não foi o apocalipse que frentes LGBTI previam para a pasta. “O bom barqueiro é aquele que não reclama do vento, e sim ajeita as velas”, afirma o futuro sr. Harrad. “Temos que sobreviver, né?”
Se foi bem recebida por Reis, a nomeação da pastora não teve a bênção de parte da bancada evangélica. Deputados do bloco e aliados de Magno usaram expressões como “passou a perna” para se referir à escolhida de Bolsonaro.
Damares trabalha no gabinete do senador, que era cotado para o cargo. O presidente eleito, contudo, escanteou Magno, um de seus aliados de primeira hora e responsável por convencer líderes evangélicos como o pastor Silas Malafaia a embarcar no bolsonarismo.
O deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), reeleito com apoio de Malafaia, diz que o que no começo “era ingratidão passou a ser uma afronta”.
Segundo o parlamentar, Damares é “competente e querida, mas errou”. Não teria avisado ao chefe sobre a nomeação.
Para ele, toda a condução do caso foi “antitética”. “Quando ele [o senador] percebeu o desgaste, se recolheu e ficou isolado por dez dias [num sítio no Espírito Santo]. Custava ter esperado ele voltar?”
Magno retornou na quinta (6) ao Senado e disse que seu compromisso com o presidente eleito “foi até o dia 28 [dia do segundo turno], às 19h30”.
A Folha conversou com outras três lideranças contrariadas com Damares na pasta. Afirmaram que a assessora aproveitou-se da intimidade e confiança de Magno, mas preferiram não se identificar.
Também pegou mal, num quinhão do bloco evangélico, posições favoráveis da pastora ao casamento entre pessoas do mesmo sexo (que vê como um direito adquirido) e à inserção de transexuais no mercado de trabalho.
Para o presidente da bancada evangélica, o deputado não reeleito Hidekazu Takayama (PSC-PR), Damares, por não ser congressista, “não tem papas na língua, acaba criando adversidades sem necessidade”. “Algumas questões que disse com relação a polêmicas, a gente atribui isso à falta de experiência política dela.”
Ele reconhece a insatisfação de colegas, mas diz que “a indicação da Damares é altamente bem-vinda, pois ela conhece todo o nosso pensamento”.
Segundo Takayama, não foi Bolsonaro quem esnobou Magno, e sim o contrário. O senador foi convidado para ser vice do agora presidente eleito, mas declinou o convite. Preferiu apostar na reeleição para o Senado. Perdeu.
A Folha telefonou três vezes para Damares, mas ela não retornou a ligação nem respondeu a mensagens de celular.