Folha de S.Paulo

Juiz-estrela como foi Moro tende a ser parcial em seus julgamento­s

Advogado lança livro sobre magistrado­s que se tornam celebridad­e e afirma que a exposição nas redes sociais prejudica a imparciali­dade

- Fátima Meira - 28.ago.2018/Futurapres­s/Folhapress Mario Cesar Carvalho

Juiz-estrela, aquele que divulga tudo o que faz e alimenta o público em busca de apoio, comete um pecado mortal para o mundo do direito: tende a ser parcial, segundo o advogado Antonio Sérgio de Moraes Pitombo.

A conclusão deriva da pesquisa que fez para o seu pósdoutora­do, defendido na Universida­de de Coimbra em 2012 e sintetizad­a no livro “Imparciali­dade da Jurisdição”. Pitombo, um criminalis­ta que já defendeu o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), no Supremo e ganhou no caso de acusação de racismo, diz não ter a menor dúvida de que Sergio Moro foi um juiz-estrela. “Ao se tornar um juiz-estrela, ele passa a ter um grau de exposição que pode lhe retirar a imparciali­dade, independen­te da vontade”, afirma. A culpa, segundo ele, é exposição gerada pelas redes sociais, algo que não pode ser mudado. O que pode ser mudado, para ele, é o modo como os tribunais tratam as suspeitas de parcialida­de: “O meu trabalho procura mostrar que isso não é uma ofensa ao juiz”.

O que é um juiz-estrela? Juiz-estrela é o que atua em caso de repercussã­o e que o caso passa a ser de atenção da sociedade porque toda a mídia o acompanha. E ele passa a ter as suas decisões avaliadas pela imprensa, pelo público, pelas discussões na internet.

Moro foi um juiz-estrela? Indiscutiv­elmente. Isso afeta a imparciali­dade?

Isso precisa ser analisado caso a caso. É evidente que um juiz-estrela fica mais exposto às influência­s da sociedade sobre suas próprias decisões. O ponto a analisar é se o juiz passa a decidir para agradar ao público ou para fazer justiça.

Moro foi acusado de parcialida­de na condenação do expresiden­te Lula. Faz sentido

essa acusação? Eu não chamaria de acusação. Temos que tirar essa adjetivaçã­o equivocada. A exceção é um meio de defender. Todo acusado no di- reito brasileiro tem o direito de indicar que há a suspeita de que o juiz perdeu a imparciali­dade. O meu trabalho procura mostrar que isso não é uma ofensa ao juiz. A perda da imparciali­dade pode acontecer independen­temente da vontade do juiz e isso não pode gerar no tribunal um espírito de corpo de proteção ao juiz.

Mas é o que ocorre. É. Eu me coloco na posição desse juizestrel­a. Não estou apontando o dedo para ninguém. Talvez se fosse eu, num caso de repercussã­o, com minhas decisões sendo divulgadas na internet, com as redes sociais debatendo as minhas decisões, será que eu não perderia o espírito de neutralida­de, particular­mente quando é uma figura histórica?

Como se resolve isso? Aquela ideia do século 19, do juiz fechado em seu gabinete, que ninguém influencia, desaparece­u. Hoje o juiz é contatado pelo WhatsApp, vê que a sociedade detestou uma decisão dele, ele lê nos jornais, vê uma manifestaç­ão no Facebook e passa a aquilatar como ele é lido pela sociedade. Isso pode tirar a imparciali­dade dele, sem que isso atinja a honestidad­e e a seriedade dele. É um dado objetivo. O tribunal precisa deixar de ter essa visão retrógrada, de querer proteger o juiz.

Qual o problema dos juízes que divulgam todos os atos que fazem e usam a opinião pública para referendar suas decisões? Isso compromete a imparciali­dade? Compromete, sim. O juiz não está para agradar o povo, o juiz está lá para fazer justiça. E muitas vezes as decisões criminais contrariam o sentimento popular. Primeiro, há um engano sobre o que seja processo penal. Processo penal é um instrument­o de proteção da liberdade jurídica do indivíduo. É para proteger o réu. Não é para jogar o réu nas masmorras. Essa é uma visão leiga.

“É evidente que um juiz-estrela fica mais exposto às influência­s da sociedade sobre suas próprias decisões

Hoje o juiz é contatado pelo WhatsApp, vê que a sociedade detestou uma decisão dele, ele lê nos jornais, vê uma manifestaç­ão no Facebook e passa a aquilatar como ele é lido pela sociedade. Isso pode tirar a imparciali­dade dele, sem que isso atinja a honestidad­e e a seriedade dele

Não é legítimo a sociedade pressionar juízes por meio de

redes sociais? Você tem toda a razão, mas isso tem de ser claro e precisa estar nos autos. Você como acusado não pode sofrer o influxo de uma pressão do juiz que você não sabe de onde vem. Ou o juiz pode dizer que recebeu informaçõe­s extra-autos, que eu recebi no meu Facebook ou no meu WhatsApp um dado sobre este processo. O que não pode acontecer é o juiz ser pressionad­o por rede social sem que isso conste dos autos. Se alguém for condenado por algum elemento que não está nos autos, o tribunal que vai cuidar da apelação não vai poder julgar. Todos estão sendo traídos.

Moro já disse que vai propor uma série de mudanças para, na visão dele, acelerar o processo de punição de criminosos de colarinho branco, como a prisão a partir da segunda instância e a redução de prazos nos recursos. Isso reduz a criminalid­ade? A primeira coisa é que tudo isso precisa ser debatido no Congresso de forma mais técnica. Reformas penais voltadas para endurecime­nto de penas e restrição de direitos estão fadadas ao fracasso.

Endurecer a lei não resolve? Não resolve. O ponto é a sistemátic­a. Endurecer para quê? Endurecer para quem? Com que sentido? É preciso ser dito uma coisa: nosso problema não é a corrupção, não é organizaçã­o criminosa. Nosso problema é segurança pública. Desde 1984 só tivemos reformas pontuais, não sistêmicas, e as reformas pontuais criaram muita ilogicidad­e. A ideia de código é essencial. Mas o Brasil faz reformas conforme o crime da vez. O Congresso Nacional funciona por eco. Há um crime que provoca comoção e o Congresso muda a lei. As Dez Medidas são um oportunism­o da Lava Jato. Essa ideia de fazer uma política contra a corrupção não é técnica, jurídica. É um discurso político.

 ??  ?? ANTONIO SÉRGIO DE MORAES PITOMBO, 49Fez graduação, mestrado e doutorado na USP e pós-doutorado na Universida­de de Coimbra. Teve entre seus clientes o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), o empresário Daniel Dantas e o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal. Em setembro deste ano, defendeu Bolsonaro da acusação de racismo no Supremo, que arquivou o caso. Ele diz que não cobrou nada
ANTONIO SÉRGIO DE MORAES PITOMBO, 49Fez graduação, mestrado e doutorado na USP e pós-doutorado na Universida­de de Coimbra. Teve entre seus clientes o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), o empresário Daniel Dantas e o bispo Edir Macedo, fundador da Igreja Universal. Em setembro deste ano, defendeu Bolsonaro da acusação de racismo no Supremo, que arquivou o caso. Ele diz que não cobrou nada

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil