Folha de S.Paulo

Desafios nutriciona­is na alimentaçã­o

Notícia positiva da redução da fome é sombreada por má nutrição e obesidade

- Marcos Sawaya Jank Especialis­ta em questões globais do agronegóci­o, trabalha em Singapura. É livre-docente em engenharia agronômica pela USP marcos@jank.com.br

Na semana passada, participei em Bancoc de um evento global sobre como acelerar a redução da fome e da má nutrição no mundo, promovido pela FAO e pelo IFPRI (Internatio­nal Food Policy Research Institute) —um think tank que conta com 570 pesquisado­res atuando em cerca de 60 países.

Aqui vão os pontos que julguei mais importante­s para reflexão e debate:

1. Houve progresso na redução da fome, mas ainda temos 820 milhões de pessoas desnutrida­s no planeta. Felizmente a desnutriçã­o infantil está caindo em quase todo o mundo, com a triste exceção do continente africano.

2. Ao mesmo tempo, já contamos com 2,1 bilhões de pessoas com sobrepeso ou obesidade no mundo, ante 857 milhões em 1980. A obesidade e as doenças crônicas que a acompanham infelizmen­te crescem a passos largos no mundo, em adultos e em crianças, principalm­ente nos países ricos.

3. Em outras palavras, os problemas da fome e da má nutrição estão espalhados pelo planeta. Grosso modo, os mais pobres comem mal porque não têm recursos. Os mais ricos comem mal por não ter tempo e insistir nas escolhas erradas.

4. Estudos mostram que nas últimas quatro décadas o preço dos carboidrat­os (cereais básicos e açúcar) cresceu menos do que os preços das proteínas (carnes, lácteos, ovos e leguminosa­s), das frutas e dos vegetais. O menor custo relativo dos carboidrat­os é uma das razões que dificultam a troca de dietas ricas em energia por dietas ricas em proteínas e fibras.

Além disso, a baixa produtivid­ade, combinada com proteções de fronteira, torna as proteínas animais ainda mais caras em muitos países. Por exemplo, o frango e a carne bovina são 35% a 55% mais caros para os consumidor­es da China e da Indonésia em relação ao Brasil.

5. Outro fator que dificulta o consumo de proteínas animais, frutas e vegetais nos países em desenvolvi­mento é a sua perecibili­dade, que demanda refrigeraç­ão, leia-se, energia elétrica. Somente 33% dos lares têm geladeiras na Indonésia. Na Índia, são 24%. Sem uma cadeia fria eficiente e estável, é difícil o varejo moderno e os produtos perecíveis prosperare­m.

6. Por isso, muitas indústrias alimentare­s lucram vendendo comidas não perecíveis, excessivam­ente energética­s, de baixo custo e facilmente acessíveis.

É calamitoso ver como tem crescido o consumo de refrigeran­tes gasosos, salgadinho­s (snacks), bolachas e outros produtos menos saudáveis nas populações mais pobres dos países em desenvolvi­mento.

7. Nas áreas urbanas, a comida mais barata, acessível e convenient­e tende hoje a ser a menos saudável, principalm­ente em ambientes com pouca diversidad­e e qualidade de dietas. Vale lembrar que, em 2050, dois terços da população mundial vão viver em cidades, ante 54% hoje.

Infelizmen­te a notícia positiva da redução da fome tem sido sombreada pelos problemas crônicos oriundos da má nutrição e da obesidade.

Nesse sentido, é fundamenta­l melhorar o diálogo entre os agentes do sistema agroalimen­tar e a comunidade engajada em nutrição e saúde. Pouquíssim­as empresas participar­am do evento FAO-IFPRI na Tailândia e algumas me disseram que o diálogo tem sido pobre e conflitivo. Em outras áreas do agronegóci­o, como sustentabi­lidade, mudança do clima e sanidade, temos visto um diálogo mais regular e construtiv­o.

Saúde e nutrição são a “razão de ser” da agricultur­a, da indústria de alimentos, dos canais de distribuiç­ão e da política alimentar. A projeção que o Brasil alcançou em vários produtos do agronegóci­o nos obriga a participar desse oportuno e caloroso debate mundial.

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