teleconsulta, whatsapp e privacidade
Fórum realizado pela Folha debate riscos e falta de regras na relação médico-paciente em meios digitais
Pesquisa realizada pela Associação Paulista de Medicina (APM) revela que 85% dos médicos são favoráveis à adoção de ferramentas de mensagem instantânea na comunicação profissional com pacientes. Desse grupo, 66% já utilizam o WhatsApp para alguma finalidade.
O uso do aplicativo e de plataformas similares para envio de dados ou dúvidas em caráter privativo foi autorizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) em abril de 2017.
Mas ainda falta ao país uma regulamentação que permita uma adesão mais ampla a essas plataformas e a outras tecnologias da informação.
A falta de regulação e os riscos que ela acarreta foram duas das questões debatidas no 2º fórum Saúde Suplementar, promovido pela Folha nesta quarta-feira (5).
Entre as preocupações destacadas pelos especialistas está o fato de que as informações trocadas não chegam ao prontuário do paciente.
“Sintomas relatados, resultados de exames, fotos enviadas pelos pacientes, tudo isso tem que ser registrado. É o conjunto de informações que leva o médico ao diagnóstico”, afirmou Antonio Carlos Endrigo, diretor de tecnologia da informação da APM.
Defensor da teleconsulta, modalidade em que o contato entre médico e paciente se dá pela internet, Endrigo afirmou que cabe ao CFM estabelecer novas regras para nortear a relação médico-paciente nos meios digitais.
Por enquanto, só o Conselho Federal de Psicologia (CFP) autoriza atendimento online pleno, sem limites de sessões, nos mesmos moldes do atendimento presencial.
Em vigor desde novembro deste ano, a resolução substitui norma anterior, que limitava a modalidade a 20 sessões e a casos específicos.
“A não regulamentação a essa altura do campeonato deixa os dois lados [médico e paciente] desprotegidos”, declarou Ana Estela Haddad, professora associada da Faculdade de Odontologia da USP e diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde (ABTms).
Além de frisar a necessidade de definir como se daria o registro das conversas no histórico do paciente, Ana Estela destacou dois aspectos fundamentais, a cibersegurança e a proteção do direito de privacidade dos dados envolvidos.
“Em uma teleconsultoria ou teleconsulta, tudo é registrado, do horário de acesso ao tempo de resposta. O WhatsApp é vulnerável porque você não tem esse registro.”
Sobre a insegurança digital, Ana Estela citou casos de pacientes famosos que sofreram quebra de sigilo e tiveram seus exames vazados de forma indevida, após serem compartilhados em grupos de WhatsApp.
Endrigo endossou a preocupação, afirmando que muitos médicos já armazenam prontuários em nuvem, o que, diz ele, “dá um medo enorme”.
“A área de saúde é extremamente procurada por ladrões da internet. Isso me preocupa, porque os médicos não têm capacidade de avaliar se softwares ou plataformas online são bons ou não.”
Com a velocidade das mudanças, é inevitável que o direito caminhe a reboque da tecnologia, reconhece Juliana Abrusio, professora da Universidade Mackenzie e especialista em direito digital. A questão é quanto tempo o país vai demorar para definir regras de uso para médicos e pacientes.
“Os dados estão sendo coletados em toda parte e a todo momento, e o indivíduo mal se dá conta”, disse Juliana.
Sua expectativa é que a nova Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais dê conta da insegurança. “Da triagem ao fim do atendimento, tudo deve ser feito para que o sigilo dos dados seja preservado.”
O 2º fórum Saúde Suplementar foi patrocinado pela administradora de benefícios Qualicorp e o sistema cooperativo de saúde Unimed, com apoios da Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios) e da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar).
“É importante ouvir para compreender o que as pessoas estão nos dizendo. O consumidor não pode ser alijado desse processo, ele não é apenas a pessoa que paga o boleto. Ele é o protagonista da saúde dele Juliana Pereira diretora-executiva de clientes da Qualicorp
“Clínicas populares não devem fazer exames nem incentivar o paciente a usar todas as especialidades, isso cria conflito de interesses. Nesse modelo, pedir mais exames maximiza os ganhos da clínica Emilio Puschmann fundador e copresidente da empresa Amparo Saúde
O WhatsApp facilita envio de dados e resolução de dúvidas com o médico, mas as informações não vão para o prontuário do paciente. Em uma teleconsultoria, tudo é registrado
“Com visão multiprofissional, confidencialidade e segurança da informação, o uso da tecnologia pode melhorar a entrega de serviços e fortalecer o funcionamento e a gestão da rede de atenção básica Ana Estela Haddad diretora de relações institucionais da Associação Brasileira de Telemedicina e Telessaúde
“A ‘medicina 4.0’ pode levar à desumanização da profissão. Desenvolver sistemas que preservem o contato médico-paciente exige cuidado grande das empresas que produzem essas tecnologias Antonio Carlos Endrigo diretor de TI da Associação Paulista de Medicina
“Há uma supervalorização dos exames por causa da insegurança do médico. Esse modelo de pagamentos privilegia a quantidade, não a qualidade. O médico precisa ser treinado na área de custos José Cechin diretor-executivo da Federação Nacional de Saúde Suplementar
“Infelizmente, perdemos na questão do ressarcimento ao SUS pelo placar de 11 a zero no STF. Não fomos capazes de despertar na sociedade a noção de que quem paga por isso são os consumidores, não as operadoras Felipe Rossi diretor da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde)
“Suicídio barato é aquele bemsucedido, o mal-sucedido é extremamente caro para o plano de saúde. Vale muito mais tratar o paciente antes, com psicoterapia, do que deixá-lo na UTI depois Walter Cintra Ferreira Junior coordenador do MBA em gestão de saúde da Escola de Administração de Empresas da FGV
“Como falar em maior protagonismo do consumidor [na coparticipação] se ele fica com o ônus de pagar parte dos custos sem ter acesso às informações dos procedimentos realizados? Ana Carolina Navarrete pesquisadora em saúde do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
“A operadora não aprendeu a cultivar uma boa relação com o médico. É preciso entender que, se o paciente fica satisfeito com o atendimento, quem fez isso foi o médico, e esse profissional é o cliente da operadora Salomão Rodrigues, coordenador da comissão de saúde suplementar do Conselho Federal de Medicina
“Hoje, o beneficiário é submetido a consultas com baixa efetividade e a pedidos de exames desnecessários. Encontramos no modelo de atenção primária à saúde a sustentabilidade para o futuro Alberto Gugelmin Neto vice-presidente da Unimed do Brasil
“O aparecimento de alternativas ao SUS e ao sistema privado de saúde reflete mudanças na sociedade. As pessoas estão mais empoderadas para tomar suas decisões e buscam ter mais acesso aos serviços Mara Redigolo cofundadora do aplicativo de saúde Dandelin
“Um dos maiores desafios é gerenciar os dados que chegam de maneira desestruturada e transformá-los em informação para melhorar a saúde da população. Devemos usar o máximo de tecnologia possív el Alexandre Rosé diretor de serviços clínicos da Amil Assistência Médica Internacional
“Os dados são coletados a todo momento e o indivíduo mal se dá conta. Temos uma boa notícia com a aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados, que entra em vigor em fevereiro de 2020 e traz segurança jurídica Juliana Abrusio professora da Universidade Mackenzie e especialista em direito digital