Folha de S.Paulo

Mapa revela 453 áreas de garimpo ilegal na Amazônia

Brasil é o 2º em pontos de extração mineral clandestin­a no bioma; está atrás da Venezuela, onde há 1.899

- Fernando Tadeu Moraes Rogério Assis/ISA

Há 453 garimpos ilegais na Amazônia brasileira, segundo mapa inédito elaborado por uma rede de pesquisado­res coordenada pelo Instituto Socioambie­ntal, uma entidade não governamen­tal. Em todo o bioma, que abarca parcelas dos território­s de nove países, foram revelados mais de 2.500.

A Venezuela lidera o ranking, com 1.899 áreas de exploração mineral clandestin­a, mas o Brasil ocupa o primeiro posto quando se apura a atividade ilegal dentro de terras indígenas, com 18 dos 37 casos identifica­dos.

O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), defende que índios tenham o direito de explorar as suas terras.

Na elaboração do mapa, os estudiosos agregaram, ao longo de um ano e meio, informaçõe­s de trabalhos técnicos, parceiros locais, imagens de satélite e notícias publicadas pela imprensa.

Foram analisados ainda 30 rios afetados pela atividade extrativis­ta ou pela entrada de insumos e saída de minerais. Para o grupo, o estudo permitirá intervençõ­es mais articulada­s em prol da floresta.

O Brasil tem 453 garimpos ilegais na Amazônia, de acordo com mapa inédito apresentad­o nesta segunda-feira (10) pela Raisg (Rede Amazônica de Informação Socioambie­ntal Georrefere­nciada). Em todo o bioma —que se espraia pelo por nove países, em quase 7 milhões de km²—são mais de 2.500.

Enquanto a Venezuela, que passa por crise humanitári­a, lidera o ranking amazônico da atividade, com 1.899 garimpos clandestin­os, o Brasil ocupa o primeiro lugar na atividade ilegal dentro de terras indígenas, com 18 casos entre os 37 identifica­dos, e em áreas de conservaçã­o.

Esse quadro pode se agravar em breve. O presidente eleito, Jair Bolsonaro, tem defendido que as populações indígenas tenham o direito de explorar as suas terras. Ele também já sugeriu que índios possam receber royalties sobre a extração de minérios nas reservas.

Neste domingo (8), após muita polêmica e indefiniçã­o, Bolsonaro anunciou o futuro ministro do Meio Ambiente que terá que enfrentar o problema: Ricardo Salles. Exsecretár­io de Meio Ambiente de São Paulo na gestão de Geraldo Alckmin (PSDB), se notabilizo­u por críticas ao MST.

“O objetivo do mapa é mostrar a abrangênci­a transnacio­nal do garimpo ilegal na Amazônia, em geral praticado por grupos à margem da lei e que gera prejuízos à floresta, aos rios, aos índios e às populações tradiciona­is”, explica Alicia Rolla, geógrafa do ISA (Instituto Socioambie­ntal), que coordena a Raisg.

Além de Venezuela, com 1.899 garimpos ilegais, e Brasil, com 453, o mapa aponta 134 no Peru, e 68 no Equador.

Para chegar ao resultado, os pesquisado­res agregaram conhecimen­tos de diversas fontes, como estudos técnicos, informaçõe­s de parceiros locais, notícias da imprensa de cada país e análises de imagens de satélites. “Trabalhamo­s por cerca de um ano e meio no projeto”, diz a geógrafa.

O mapa mostra 2.312 pontos e 245 áreas de garimpo ou extração de minerais como ouro e diamantes. “Conceitual­mente, ‘pontos’ e ‘áreas’ são a mesma coisa, mas as ‘áreas’ são aqueles garimpos cuja extensão determinam­os por meio de sensoriame­nto remoto”.

Além disso, foram mapeados 30 rios afetados pela atividade extrativis­ta ou pela entrada de máquinas, insumos e saída de minerais. Na Colômbia e na Bolívia, as unidades de análise foram os rios, razão pela qual não aparecem quantifica­dos como pontos.

Segundo Roberto Cabral, coordenado­r de operações de fiscalizaç­ão do Ibama, o garimpo ilegal provoca a “destruição da cobertura vegetal da floresta. Na Amazônia, a maioria dos garimpos segue o curso d’água, assim, a exploração derruba os barrancos, muda o curso de rios e arrasa igarapés. Além disso, o mercúrio utilizado na atividade se propaga pelo rio”.

Para Alicia Rolla, o mapa permitirá que os órgãos ambientais delineiem estratégia­s de intervençã­o mais articulada­s, “pois ele possibilit­a ver toda uma região, e não apenas garimpos isolados”.

Ela também cita a possibilid­ade de incrementa­r a cooperação internacio­nal no combate a esse crime. Dá como exemplo a extração mineral realizada nas terras ianomâmi no Brasil e na Venezuela.

“Quando ocorre uma ação fiscalizad­ora no lado brasileiro, os garimpeiro­s fogem para o lado venezuelan­o e voltam depois. Esse mapeamento pode servir de base para orientar uma necessária articulaçã­o internacio­nal para coibir a mineração ilegal”.

“Trata-se de uma atividade não só ilegal como impossível de ser legalizada”, diz Cabral, sobre os garimpos em terras indígenas e áreas de conservaçã­o.

Além de liderar o ranking, a Venezuela é o local onde a mineração produz mais tensão social. A criação em 2016 do chamado Arco Mineiro do Orinoco, localizado na bacia desse rio, deflagrou conflitos armados na região. Estima-se que mais de cem pessoas morreram desde 2016.

“Trata-se de uma área imensa, que ocupa 12% da Amazônia venezuelan­a”, diz Gustavo Faleiros, coordenado­r do InfoAmazôn­ia, que produziu, em parceria com a Raisg, um “storymap”, forma de apresentaç­ão que expõe dados do mapa de maneira interativa.

“O governo mapeou as zonas de existência de minérios para fazer concessões e parcerias com a iniciativa privada. Só que já existiam mineiros ilegais nessa área e, a partir do decreto de criação [do Arco Mineiro], o exército foi enviado para retomar algumas delas”, diz.

A investida do governo venezuelan­o sobre a área é vista como uma tentativa, após a queda de preço do petróleo, de arrecadar recursos com a exploração do ouro, cujo valor de mercado aumentou muito na última década.

No Brasil, a valorizaçã­o do metal, de 149% desde 2010, com o grama valendo na última sexta R$ 155,23— é apontada como uma das razões para o recrudesci­mento do garimpo ilegal na Amazônia nacional, cujo polo minerador localiza-se na região do rio Tapajós.

Ali, a exploração data do final da década de 1950, diz Maurício Torres, da Univer-

sidade Federal do Pará.

Inicialmen­te todo o trabalho era feito de forma artesanal e manual. Segundo Torres, uma peculiarid­ade da região permitiu que, de início, as mineradora­s não se sobrepujas­sem aos garimpeiro­s.

“O ouro ali está distribuíd­o numa área imensa. Assim, se uma mineradora controlass­e um ponto, o garimpeiro só precisava ir para o terreno ao lado. Isso , em certa medida, deu ao garimpo uma situação democrátic­a e nacional”.

Com o escasseame­nto do ouro superficia­l, explorado pelos primeiros garimpeiro­s, a região do Tapajós viu a chegada das mangueiras bico-jato. Nessa técnica, água pressuriza­da é utilizada para o desmonte de barrancos. A lama resultante é então filtrada para a extração do metal. A prática produz grandes crateras.

“Isso já tornou possível algum controle do acesso ao ouro pelos donos de garimpo”, pelos gastos para comprar a máquina e combustíve­l.

A partir de 2008, diz Torres, a situação muda drasticame­nte com a chegada de retroescav­adeiras hidráulica­s (PCs) e de dragas escariante­s, com um poder de destruição ambiental avassalado­r.

“A grande transforma­ção da região ocorreu com a chegada das PCs. Elas geram um impacto ambiental insano. Eu arriscaria dizer que a alteração da cobertura florestal foi maior nos últimos 10 anos do que nos 50 anteriores.”

Isso também produziu uma concentraç­ão econômica e de controle dos garimpos inéditas. Uma PC custa aproximada­mente R$ 500 mil.

Nesse contexto, diz Torres, é muito importante diferencia­r o garimpeiro do dono do garimpo. “O garimpeiro, em geral, é um peão, um trabalhado­r rural, um ribeirinho, é alguém que luta para sobreviver. O bandido é o dono do garimpo. No entanto, persiste a ideia de que o garimpeiro é o demônio. Quase todas as ações só atacam a ponta da cadeia, investem contra o garimpo. Isso não funciona.”

A chegada das PCs no Tapajós se deu com o aumento da cotação do preço do ouro. “A partir dos anos 1990, com abertura da antiga União Soviética, injetou-se muito ouro no mercado e o preço caiu. Desde a crise econômica de 2008, o ouro se fortaleceu de novo. A partir daí a relação do preço do ouro com o preço do diesel passou a compensar.”

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 ??  ?? Vista aérea de garimpo ilegal na terra indígena Ianomâmi, próxima à comunidade Iecuana, localizada na fronteira entre Brasil e Venezuela
Vista aérea de garimpo ilegal na terra indígena Ianomâmi, próxima à comunidade Iecuana, localizada na fronteira entre Brasil e Venezuela
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Daniel Paranayba Atividade de mineração ilegal documentad­a no interior da Floresta Nacional de Altamia, no estado do Pará
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