Folha de S.Paulo

Governo e controles

- Marcus André Melo Professor da Universida­de Federal de Pernambuco e ex-professor visitante da Universida­de Yale; Escreve às segundas

“A escolha do presidente da República continua a constituir o maior drama do país, seu único drama.” Se é verdade o que afirma Hermes Lima, em 1955, vivemos agora o entreato: passado o momento da escolha, as expectativ­as voltam-se para o que vem pela frente. O que será o futuro governo Bolsonaro?

Os cenários foram antecipado­s pelo autor: “Se o presidente é dotado de forte personalid­ade e seu partido conta com maioria no Congresso, o Executivo, já poderoso pelo seu caráter unipessoal, impõe avassalado­ramente sua vontade. Se o presidente é fraco, o Congresso toma o freio nos dentes. Em qualquer dessas hipóteses, não há colaboraçã­o, há predomínio”.

Para Lima, há assim um jogo de soma zero nas relações Executivo-Legislativ­o. Mas, na realidade, há ganhos de troca nessa relação e ambos podem beneficiar-se.

O modo default de funcioname­nto das relações Executivo Legislativ­o é com predominân­cia do presidente: o Executivo domina a agenda do Congresso, porque tem instrument­os regimentai­s para isso, dispõe da caneta para nomear, demitir e liberar recursos do Orçamento. A popularida­de presidenci­al é crucial nesse jogo.

Assim, no modo normal de operação, é fácil construir maiorias porque para os parlamenta­res há incentivos para a cooperação, e o saldo líquido de custos e benefícios é positivo. A estratégia dominante para os atores é cooperar.

A hiper-fragmentaç­ão pode favorecer o Executivo: ela cria problemas de ação coletiva entre os membros da coalizão de apoio do governo. Na ausência de fatores que produzem coordenaçã­o entre os parlamenta­res, os custos de cooptação tornam-se baixos. Comprar apoio no varejo é barato.

Mas a fragmentaç­ão no Congresso tem outra face: o problema inverte-se quando o Executivo tem que mobilizar supermaior­ias, caso de emendas constituci­onais que exigem quórum de três quintos. Ter um cartel legislativ­o é crucial dependendo da agenda.

Na realidade, o Congresso só “toma o freio nos dentes” quando está acuado, sob ameaça. O temor cria coesão. O mesmo ocorre quando os custos reputacion­ais se tornam muito elevados —quando a popularida­de presidenci­al entra em colapso devido a escândalos, crise econômica, ou combinação dos dois.

Cooperar com o Executivo torna-se proibitivo nesses casos. Ou quando a barganha colapsa ao envolver instituiçõ­es que o Executivo já não pode controlar, pois autonomiza­ram-se (como ocorreu sob Dilma).

No curto prazo, não veremos nem hegemonia avassalado­ra do Executivo nem Congresso “com o freio nos dentes”. O elemento definidor será como o presidente reagirá a ameaças de instituiçõ­es que não controla.

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