Folha de S.Paulo

Em crise, bares gays nos EUA mudam estratégia

Para concorrer com aplicativo­s e preservar cultura, casas voltadas a público lésbico passam a ofertar séries e games

- Júlia Zaremba

Os bares para mulheres LGBT estão em crise nos Estados Unidos. Nos últimos dez anos, o número caiu quase pela metade, segundo dados do guia de viagens Damron, que compila informaçõe­s sobre o assunto.

Na contramão da tendência, dois estabeleci­mentos abriram as portas em Washington nos últimos meses preparados para os novos tempos.

Um deles é o A League of Her Own (expressão usada para dizer que alguém concorre sozinho em algo), inaugurado em agosto no bairro de Adams Morgan, famoso pela vida noturna.

Logo na entrada, uma placa avisa às clientes: “consent is sexy” (consentime­nto é sexy).

Mas o bar parece ser menos para paquera do que para reuniões de amigas, que podem conversar e jogar videogame enquanto ouvem músicas que vão de Backstreet Boys e Christina Aguilera a reggaeton.

Fotos de personalid­ades do sexo feminino, gays e não, ornam uma das paredes do bar —da cantora Madonna e a pintora mexicana Frida Kahlo à apresentad­ora Ellen DeGeneres e a juíza da Suprema Corte Ruth Bader Gisnburg.

“Nosso objetivo é criar uma atmosfera acolhedora”, afirma a gerente Jo McDaniel, 37.

Quem quiser mais agito pode ir até o segundo piso, onde há DJ e uma pista de dança aos fins de semana, também acessível aos clientes do bar de esportes voltado para homens LGBT que fica ao lado e pertence ao mesmo dono.

Apesar de visar a clientela feminina, todos simpáticos à comunidade LGBT são bemvindos ao local, diz McDaniel.

Essa é uma tendência que moldou grande parte dos bares gays nos Estados Unidos nos últimos anos, informa Greggor Mattson, professor de sociologia no Oberlin College que está escrevendo um livro sobre o assunto.

Os espaços deixaram de ser exclusivos para mulheres ou homens e passam a ser lugares mistos, frequentad­os também por héteros, em meio à fluidez de gêneros e a uma maior aceitação da diversidad­e pelos americanos.

Para Mattson, esse foi um dos principais motivos que levaram à redução no número de bares para mulheres no país —enquanto havia 32 em 2007, dez anos depois foram catalogado­s 18, diz ele, que tomou como base o guia Damron, publicado desde 1964.

O primeiro estabeleci­mento para mulheres em Washington abriu em 1936, segundo o Rainbow History Project, que preserva a memória da comunidade LGBT da capital federal. Desde 2016, quando o tradiciona­l Phase 1, que funcionou por mais de 40 anos, fechou as portas, o distrito estava carente de um bar do tipo.

Consideran­do bares LGBT no geral, o número foi de 1.611 para 1.190 em dez anos, queda de 26%. A populariza­ção dos aplicativo­s de relacionam­ento, por meio dos quais o usuário pode encontrar um parceiro sem deixar o sofá, a maior inserção da comunidade gay na sociedade, levando seus membros a frequentar os mesmos lugares que os héteros, e a gentrifica­ção também contribuír­am para o declínio.

“Os tempos mudaram, podemos ver hoje todas as pessoas em todos os lugares. Mas também é muito importante que existam espaços seguros para a comunidade”, diz Lina Nicolai, 33, uma das fundadoras do XX+ Crostino, lounge voltado para mulheres que abriu em julho na capital.

Isso porque, apesar dos avanços, ainda há quem não se sinta seguro em lugares convencion­ais, afirma KB Chef, 23, outra sócia do bar. “Quero dançar sem ser assediada por um bêbado”, diz. “Estar em lugares com pessoas que pensam como eu, onde uns cuidam da segurança dos outros.”

O XX+ é descrito por elas como “uma casa fora de casa”. Abriga festas, shows de música ao vivo, karaokê, aulas de dança, clube do livro e sessões de Netflix. “Somos mais um espaço de recreação para as pessoas se reunirem do que um bar”, diz KB.

É decorado com sofás, velas e uma mesa de sinuca. Ao contrário das concorrent­es, oferece comida além dos drinks.

Bares como os que abriram em Washington são especialme­nte necessário­s nos estados mais conservado­res dos Estados Unidos, diz Mattson. “Um bar em Indiana ou no Mississipp­i tem um significad­o diferente do que o de um em Washington, onde há uma grande aceitação de gays.”

Os estabeleci­mentos também fomentam a comunidade e a cultura LGBT, diz ele.

“Sempre haverá necessidad­e de espaços como o nosso”, diz Jo. “O encontro com pessoas como você é poderoso.”

“Os tempos mudaram, podemos ver todas as pessoas em todos os lugares. Mas também é importante que haja espaços seguros para a comunidade” Lina Nicolai cofundador­a do bar XX+ Crostino

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