Folha de S.Paulo

O melhor disco de 2018

‘Congo’ é um lobisomem musical, que só poderia mesmo ter nascido nas ladeiras de BH

- Ronaldo Lemos Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro

Fim do ano se aproximand­o, hora de fazer listas para recapitula­r este ano atípico. O melhor disco de 2018 —na opinião deste colunista e da prestigios­a revista inglesa The Wire— é “Congo”, uma pérola criada pelo músico, guitarrist­a, escritor e filósofo mineiro Rodrigo Tavares.

O disco é uma reflexão meditativa e emocional sobre a tradição da música popular em nosso país.

É também um “maverick”, diferente das correntes musicais em curso, mas que cria seu próprio lugar na linhagem do jazz, da MPB, da bossa nova e até do rock.

Em outras palavras, “Congo” é um lobisomem musical, que só poderia mesmo ter nascido nas ladeiras de Belo Horizonte.

Rodrigo aprendeu a tocar violão e guitarra aos 11 anos. Na adolescênc­ia, chegou a fazer shows. No entanto, sua música submergiu quando começou a cursar comunicaçã­o na UFMG (Universida­de Federal de Minas Gerais) e depois estudos culturais no Goldsmiths College, em Londres.

Nesse período, manteve-se ativo como nunca musicalmen­te, mas recolhido ao universo privado.

Para sair da reclusão, foi preciso uma epifania ao assistir a um show improvável do grupo Sun City Girls em um clube de beira de estrada em Pouso Alegre. Ali começou o projeto de gravar. Para isso, recrutou o baterista Felipe Continenti­no e o baixista Pedro Santana.

Quem ouve o disco tem dificuldad­e de identifica­r o que é composição e o que é improvisaç­ão, dado o esmero com que Rodrigo concebeu o álbum, que tem ainda guitarra, saxofone, vibrafone e uma participaç­ão arrebatado­ra de um teclado Fender Rhodes em momento épico.

Apesar de ser virtualmen­te desconheci­do no Brasil, a imprensa internacio­nal já descobriu Rodrigo Tavares. A Wire —principal revista de música da Inglaterra— fez uma reportagem de página inteira com ele em maio.

Na edição de fim de ano, posicionou seu disco em primeiro lugar na lista “Global” dizendo se tratar “de uma exploração sobre o funcioname­nto interno da modernidad­e brasileira, no qual o poder da história e tradição são interrogad­os como pensamento novo, adequado para servir à incandescê­ncia e tensão do momento presente”.

Perguntei a Rodrigo se ele concorda com essa descrição da Wire. Ele me respondeu que “é importante também dar um pouco de ombros à discussão em torno da tradição da música brasileira. Já nem sabemos bem o que é o Brasil. Portanto, o que vale são os gestos que possam abrir caminhos, inventar coisas, escapar desse presente anacrônico”.

O álbum está disponível no Spotify e nas principais plataforma­s digitais. Foi também lançado em vinil pelo selo inglês Hivemind.

Curiosamen­te, Rodrigo afirma que foi o lançamento em vinil —mídia velha— que fez com que sua música fosse notada.

Nas palavras dele: “Sem o vinil, talvez ‘Congo’ ficasse submerso no mar de lançamento­s que acontecem todos os dias nas plataforma­s digitais”. O que ilustra bem o jogo entre presente, passado e futuro que “Congo” representa enquanto música universal brasileira.

Isso nos faz lembrar que não há vazio. Todos os dias obras extraordin­árias são produzidas e lançadas. Só que muitas vezes não há ninguém para prestar atenção.

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