Folha de S.Paulo

Limites abaixo do céu

Sobre sinais de Bolsonaro para a relação com os EUA.

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No final de novembro, Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, visitou integrante­s do governo Donald Trump em Washington e se deixou fotografar usando um boné com o slogan do republican­o, “Faça os EUA grandiosos de novo”.

Na quinta-feira (6), após raro voto do Brasil a favor de Israel na ONU, em moção que condenava a facção radical Hamas, o deputado elogiou o Itamaraty e a embaixador­a americana, Nikki Haley. Na véspera, em evento em São Paulo, o futuro chanceler, Ernesto Araújo, afirmara que “o céu é o limite” para a relação com Washington.

Os episódios insinuam prontidão em se alinhar ao governo Trump. Estando obscuro o que o Brasil ganhará com tal dedicação, torna-se difícil ver nesses passos mais do que simpatia ideológica, algo que Jair Bolsonaro (PSL) prometera expurgar da política externa.

Historicam­ente, Brasil e EUA mantêm relação engrenada sob todos os presidente­s, exceto pelo breve mal-estar de Dilma Rousseff (PT) ao se ver espionada, em 2013.

Em que pesem o antiameric­anismo de assessores de Luiz Inácio Lula da Silva e a atrofia diplomátic­a dos sucessores, é falacioso alegar que o Brasil tenha se afastado de seu segundo parceiro de negócios, a maior economia do planeta, que perfaz 12% da balança comercial.

É igualmente ingênuo não ver limites para a relação bilateral. O Brasil, afinal, não constitui aliado estratégic­o para os americanos. Localiza-se em região estável, sem bombas nucleares nem ameaças a interesses americanos.

Não haveria, portanto, atrativo para Trump despender mais atenção a Brasília, sobretudo estando às voltas com uma investigaç­ão que pode lhe custar a Presidênci­a e a campanha à reeleição em 2020.

Tal quadro pode mudar caso a situação na Venezuela se agrave, alçando o Brasil a parceiro necessário. Excluído esse cenário calamitoso, porém, o espaço para mudança de patamar é exíguo.

Os dois países mantêm uma profusão de debates, dos quais poucos avançam. Concentrar os diálogos em pautas mais concretas, como a energética, traria ganhos a ambos.

O acordo de bitributaç­ão para poupar cidadãos e empresas expatriado­s de pagar imposto a dois governos pode retornar à agenda.

Já a dispensa de vistos para brasileiro­s está além dos presidente­s. A crise econômica fez saltar a busca pelo documento e, com ela, a rejeição de pedidos, deixando o país longe do nível que a lei americana impõe para liberar a exigência.

Distante também está um acordo de livre comércio, cuja confecção leva mais de quatro anos e enfrenta um Congresso democrata.

O imenso poder econômico e político dos Estados Unidos é, sem dúvida, atraente. A aproximaçã­o não pode, contudo, ofuscar o pragmatism­o e prescindir de negociação.

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