Biografia mostra fascínio de ‘pai’ do Mackenzie pelo Brasil
Fundador da universidade nunca esteve no país, mas admirava José Bonifácio
José Bonifácio (1763-1838) entrou para a história como patrono da Independência do Brasil. Menos conhecido é seu papel na criação de uma das instituições privadas mais importantes do país, palco de um dos embates estudantis mais marcantes da ditadura militar e hoje casa de 38,6 mil universitários.
Se não fosse por Bonifácio, é bem capaz que a Universidade Presbiteriana Mackenzie jamais existisse. Essa é uma das muitas curiosidades em “John Theron Mackenzie: Vida e Legado”, do advogado exmackenzista Nelson Câmara.
A universidade, que em 2020 comemora 150 anos, é cria desse advogado americano que nunca pôs os pés no Brasil, mas também nunca tirou da cabeça esta nação que só virou República três anos antes de ele morrer, aos 74, em 1892.
“Desde cedo, Mackenzie era leitor e admirador do grande brasileiro José Bonifácio e, por suas leituras, ficou fascinado pelo então longínquo Brasil, [...]de imenso território ainda inexplorado, a não ser por localidades pontuais produtoras de açúcar sob o trabalho escravo”, afirma Câmara.
No dia 16 de setembro de 1892, o New York Times publicou um obituário de Mackenzie, e nele dizia que o “advogado de renome” em toda Nova York “dedicou todas as suas energias e contribuiu generosamente para a construção de uma universidade presbiteriana em São Paulo, Brasil”.
Também Castro Alves teve vez no encantamento dele, quando por acaso, reproduz Câmara, caiu-lhe às mãos uma estrofe do poeta baiano: “Talhado para as grandezas/ P’ra crescer, criar, subir/ O Novo Mundo nos músculos/ Sente a seiva do porvir/ Estatuário de colossos/ Cansado doutros esboços/ Disse um dia Jeová:/ Vai, Colombo, abre a cortina/ Da minha eterna oficina/ Tira a América de lá”.
O Instituto Presbiteriano Mackenzie é de 1870, época de um “Brasil com z”, diz Câmara à Folha.
Em comum, Bonifácio e Mackenzie eram maçons. Escreve o mackenzista Câmara: “Comoamaçonariasemprefoi uma instituição liberal, democrática e de liberdade religiosa, isto é, sem discriminação a qualquer religião, desde que fosse aceito um Deus único, denominado Grande Arquiteto do Universo, natural foi que se insurgisse contra o regime monárquico, a escravidão e a religião oficial de Estado”.
Aquele “Brazil” imperial era, oficialmente, uma nação católica —só com a proclamação da República vingou a laicidade do Estado. “E os presbiterianos vieram de país já sem escravidão. Suas escolas tinham meninos e meninas, tinham filhos de escravos”, diz.
Quando soube que já havia escolas presbiterianas em São Paulo, “dentro de uma perspectiva de associar a educação à evangelização”, Mackenzie, perto do fim da vida, decidiu destinar um terço de sua fortuna à instituição, “com a condição de que fosse construído um prédio para sediar uma Escola de Engenharia”. Deixou US$ 50 mil, cifra que hoje seria milionária.
Lá estudariam o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal Eros Grau e o jurista Ives Gandra da Silva Martins, Paulo Mendes da Rocha, um dos maiores nomes da arquitetura brasileira, e o ex-governador paulista Claudio Lembo, que já foi reitor da universidade.
Pelo corpo docente já passaram a artista Anita Malfatti , marco da Semana de Arte Moderna de 1922, o emedebista Ulysses Guimarães e o deputado Rubens Paiva, morto pelos militares em 1964.
O Mackenzie tem uma história mal resolvida do período ditatorial, e o livro de Nelson Câmara se esforça para desacoplar a instituição do direitismo que lhe era atribuído à época. Estamos falando da Batalha da Maria Antônia.
Há 50 anos, alunos da USP, de esquerda e liderados por José Dirceu, e do Mackenzie, de direita, com militantes do CCC (Comando de Caça aos Comunistas), transformaram essa rua em praça de guerra.
Um estudante da USP morreu por uma bala calibre 45 (o atirador não foi identificado).
Para Câmara, que estudava direito no Mackenzie e viveu “essa época intensamente”, é “uma inverdade,” dizer que sua instituição era de direita. Como o país, também o Mackenzie estava rachado, diz. “A Escola de Engenharia era quase toda de direita, a de arquitetura, de esquerda. A de direito era dividida.” Ele próprio se dizia de centro-esquerda.
Em sua narrativa, “o atrito se iniciou porque os alunos da filosofia da USP eram ideologicamente, em sua maioria absoluta, de esquerda e extrema-esquerda, entre os quais estavam a militância do Partido Comunista Brasileiro”.
E foram eles, segundo o autor, o estopim de uma briga com barricadas, agressões, tentativa de invasão, armas de fogo e coquetéis Molotov.
Câmara busca complexificar a fama de direitista do Mackenzie, lembrando que Rubens Paiva presidiu o Centro Acadêmico da Faculdade de Engenharia, anos antes de ser assassinado pela ditadura.
Em 2010, um novo embate: alunos protestaram após o então chanceler do Mackenzie, o reverendo Augustus Nicodemus Lopes, assinar uma carta dizendo que a Igreja Presbiteriana era contra um projeto de lei que criminalizava a homofobia “por entender que ensinar e pregar contra a prática do homossexualismo não é homofobia”.
O atual reitor do Mackenzie, Benedito Guimarães Aguiar Neto, diz: “Zelamos pelo respeito a quem pensa diferente. Contudo, como instituição de natureza confessional, o Mackenzie tem uma identidade que busca explicitar posicionamentos calcados em princípios e valores no âmbito de uma cosmovisão cristã”.
Sobre a Escola sem Partido, proposta de expurgar o que conservadores veem como doutrinação ideológica de esquerda em espaços de ensino, Benedito diz que o Mackenzie entende que “partidos políticos e suas ideologias não podem ter ingerência em processos educacionais”. Autor: Nelson Câmara. Editora: Brasil Multicultural Quanto: R$ 120 (356 págs.)