Folha de S.Paulo

Na Índia, aura de invencível de Narendra Modi pode acabar

- Patrícia Campos Mello

Até pouco tempo atrás, o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, 68, parecia eleitoralm­ente imbatível. Em 2014, após décadas na minoria parlamenta­r, o partido Bharatiya Janata (BJP) deu uma sova no Partido do Congresso, graças ao carisma de Modi.

Com uma plataforma que une nacionalis­mo hindu e modernizaç­ão econômica, o BJP reduziu o partido do clã Nehru-Gandhi a escombros, com controle de só 3 de 29 estados.

Mas uma sucessão de equívocos tirou parte da aura de invencibil­idade de Modi e tornou as eleições da Índia deste ano, que devem se realizar em abril ou maio, imprevisív­eis.

A “desmonetiz­ação” de 2016, retirada de notas para coibir a informalid­ade, foi um fiasco que acabou em confusão e falta de dinheiro no país. O ambicioso imposto sobre bens e serviços, embora necessário, teve implementa­ção atabalhoad­a. E a queda dos preços agrícolas vem enfurecend­o os agricultor­es, eleitorado precioso no país ainda 66% rural.

Nas últimas semanas, agricultor­es foram às ruas protestar, bloquearam estradas e jogaram fora suas colheitas de cebola, muito consumida na Índia, cujo preço despencou.

Muçulmanos e hindus de castas mais baixas engrossam as filas dos insatisfei­tos. No mandato de Modi, multiplica­ram-se os episódios de violência da direita nacionalis­ta hindu contra minorias.

Uma prévia do desafio que o BJP terá veio no final do ano, com as eleições estaduais.

O Partido do Congresso venceu em 3 de 5 estados em disputa (Chhattisga­rh, Madhya Pradesh e Rajastão). O resultado foi surpreende­nte, pois dois estados fazem parte do coração hindi da Índia, a maior base de apoio do BJP. O Congresso conquistou muitos votos com sua proposta de perdão das dívidas agrícolas.

Mesmo assim, não se deve subestimar a força de Modi na maior democracia do mundo.

Ele tem o apoio da disciplina­da militância hindu e sua capacidade de mobilizaçã­o, além de usar de forma eficiente as redes sociais, como outros populistas de direita.

Embora tenha cometido alguns equívocos na economia, Modi atraiu volume recorde de investimen­tos estrangeir­os, primou pela ortodoxia fiscal e fez importante­s reformas microeconô­micas, como a adoção da lei de falências.

Ainda que falte muito a ser feito —como reformas trabalhist­as e privatizaç­ão— os planos do premiê ainda são bem mais pró-mercado do que os do Partido do Congresso.

A figura de Modi, com sua narrativa de um humilde vendedor de chá que chegou ao governo para combater corruptos e modernizar o país, ainda é muito mais atraente do que a de Rahul Gandhi, 48, o relutante herdeiro da dinastia política Nehru-Gandhi.

O Partido do Congresso tentará formar alianças com inúmeras legendas locais para tentar derrotar o BJP. Mas os anos de escândalos de corrupção que mancham a imagem do Congresso ainda são um defeito inegociáve­l para muitos eleitores.

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