Folha de S.Paulo

‘Green Book’ pode cair fora da corrida do Oscar por polêmica sexual e religiosa

- Guilherme Genestreti folha.com/semlegenda

Na última segunda (7), escrevi um texto de opinião no site da Folha sobre a hipocrisia por trás da escolha de “Green Book” como melhor filme de comédia no Globo de Ouro.

Em linhas gerais, defendi que soa demagógico que, com tantos bons longas sobre questão racial, a associação de imprensa de Hollywood tenha eleito justamente o mais anódino, o mais condescend­ente e o único dirigido por um cineasta branco.

Dias após a cerimônia de premiação, começaram a pipocar duas controvérs­ias envolvendo os realizador­es da produção que só corroboram a tese de que “Green Book” é uma obra vazia e —por que não?— interessei­ra.

O longa parece querer lucrar pegando carona no marketing do bom-mocismo, abastecido pelo grito de movimentos como #MeToo e Black Lives Matter, mas os responsáve­is pelo filme não têm lastro para levantar essa bandeira. Muito pelo contrário.

A primeira das polêmicas, de ordem religiosa, envolve o roteirista do filme. Em 2015, Nick Vallelonga escreveu no Twitter, concordand­o com uma mensagem de Donald Trump, que muçulmanos do estado de Nova Jersey, vizinho a Nova York, haviam aplaudido o atentado terrorista ao World Trade Center.

Para um filme que se vende como um manifesto próintegra­ção, soa bastante contraditó­rio que o seu autor tenha uma opinião dessas. Até porque Mahershala Ali, que interpreta um dos personagen­s principais, é muçulmano.

A história é inspirada num caso real envolvendo o pai de Vallelonga. O sujeito, um brucutu ítalo-americano que trabalhava em boates da máfia em Nova York, resolve aceitar o trabalho de chofer para um jazzista negro e gay em turnê pelo Sul dos Estados Unidos.

O problema é que tudo se deu no início dos anos 1960, época da segregação racial naqueles rincões. O filme, com pegada motivacion­al, faz uma ode a essa união entre o motorista branco e o passageiro negro lançando mão de uma irrealista pieguice que lembra a de “Conduzindo Miss Daisy”.

A outra polêmica envolvendo o filme, dessa vez de cunho sexual, está ligada ao diretor da obra, Peter Farrelly.

Uma reportagem publicada pela revista Newsweek em 1998, e que voltou à tona agora, traz uma declaração da atriz Cameron Diaz afirmando que o cineasta costumava assediá-la, mostrando seu pênis durante as gravações de “Quem Vai Ficar com Mary?”.

Um parênteses: sim, antes de se render ao marketing da boa causa, Farrelly era mais conhecido por dirigir comédias politicame­nte incorretas, como “O Amor É Cego” e “Eu, Eu Mesmo e Irene”.

O diretor publicou um pedido de desculpas. “Eu fui um idiota. Fiz isso décadas atrás, achando que estava sendo engraçado, e a verdade é que estou envergonha­do. Sinto muito.”

Na esteira de movimentos identitári­os, que cada vez fazem uma pressão maior sobre a indústria, é difícil que “Green Book” continue em alta na temporada de premiações.

Ao menos, que sirva para abrir os olhos diante de certa hipocrisia por trás de algumas escolhas das grandes premiações e de um discurso que se diz engajado, “ma non troppo”, como o dos organizado­res do Globo de Ouro.

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