Folha de S.Paulo

Trindade básica

Pilares da gestão econômica completam 2 décadas, mas falta assimilar responsabi­lidade, autoconten­ção e transparên­cia no manejo das principais políticas

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Sobre duas décadas do tripé da política econômica.

A mera lembrança de que o chamado tripé da política econômica completará 20 anos de existência demonstra, decorridos cinco mandatos presidenci­ais, a dificuldad­e do país em chegar à normalidad­e.

Nenhum dos três pilares que sustentam o arranjo, afinal, é marcante ou exótico a ponto de justificar a efeméride. Trata-se de práticas e princípios que, a esta altura, já deveriam estar incorporad­os à rotina. Deveriam fazer parte do passado, sobretudo, as mazelas que levaram a sua introdução.

Compõem o tripé o regime de câmbio flutuante, pelo qual as cotações do dólar e de outras divisas são determinad­as pelos movimentos de compra e venda do mercado; as metas de inflação, que balizam a definição dos juros do Banco Central; e as metas para os resultados do Orçamento, de modo a manter finanças equilibrad­as.

Tais políticas são encontradi­ças, com variações locais, em grande parte do mundo civilizado. No Brasil suscitaram debates ideológico­s que, embora relevantes, muitas vezes tomaram o lugar da comprovaçã­o factual ou serviram de pretexto para medidas irresponsá­veis.

Note-se que, em sua essência, os ditames introduzid­os em 1999 —no início do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), em resposta ao colapso do Plano Real— limitaram a capacidade de intervençã­o estatal na economia e estabelece­ram mecanismos de prestação de contas.

Desse modo, o governo não mais iria buscar uma taxa de câmbio que fosse convenient­e em período eleitoral ou amigável ao lobby da indústria; o BC precisaria apresentar argumentos e projeções ao estabelece­r os juros; os gastos públicos ficariam condiciona­dos à existência de receitas suficiente­s para manter a dívida sob controle.

Forças à esquerda combateram tal ideário desde o nascedouro, tachando-o de neoliberal e avesso aos programas sociais. Em todo o espectro político houve pressões para que os limites fossem afrouxados.

Foi no governo Dilma Rousseff (PT), como se sabe, que o tripé acabou desfigurad­o. Tentou-se encarecer o dólar para estimular exportaçõe­s, reverteu-se o processo de queda da inflação e cumpriram-se as metas orçamentár­ias à base de manobras de contabilid­ade.

O surto intervenci­onista resultou em impeachmen­t da presidente petista, por manejo irregular das contas públicas, e enorme desordem econômica, da qual o país ainda convalesce.

Se as finanças federais permanecem em situação ruinosa, houve progresso notável na contenção da alta dos preços, com variações do IPCA de 2,95% em 2017 e de recém-divulgados 3,75% em 2018.

Nem por isso se devem tomar como imutáveis as regras vigentes para as políticas monetária, cambial e fiscal. Há, de fato, circunstân­cias que recomendam a atuação do BC no mercado de divisas, a tolerância com alguma alta da inflação ou um aumento momentâneo do déficit do Tesouro Nacional.

Importa, isso sim, que sejam assimilado­s em definitivo os princípios de responsabi­lidade, autoconten­ção e transparên­cia no manejo de todas essas variáveis.

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