Folha de S.Paulo

Janela de oportunida­de

Parlamento tem de entender resultado das urnas

- Tasso Jereissati Senador (PSDB-CE) desde 2015 e de 2003 a 2011; ex-governador do Ceará (1987-1991 e 1995-2002)

O eleitor brasileiro deu um claro recado de que não suporta mais viver sob o jugo de um Estado dirigista, provedor de privilégio­s para uns e de privações para outros. Clama por uma política de simplifica­ção tributária, de controle dos gastos públicos e combate permanente à hipertrofi­a do Estado que levou à bola de neve da estagnação econômica.

No seu dia a dia, o cidadão pode até não saber formular com clareza sua demanda, mas, ao votar na proposta mais distante do establishm­ent político, deixou patente que não suporta mais conviver com a falta de atendiment­o à saúde, à educação, com o transporte público ineficient­e, sem segurança e, principalm­ente, com os escândalos de corrupção que tomaram conta da cena política.

Para fazer frente a tantos e urgentes desafios, o mundo político não pode fazer de conta que essa mensagem foi dirigida apenas ao Executivo. Trata-se de um recado também ao Legislativ­o e ao Judiciário.

O mesmo eleitor que votou para presidente votou também, com o mesmo sentimento, para os seus representa­ntes no Congresso, de quem se esperam demonstraç­ões de distanciam­ento do jogo de toma lá dá cá, que se tornou quase um padrão nas relações com o Executivo.

As grandes reformas estruturan­tes, da Previdênci­a, fiscal, e trabalhist­a, assim como tantas outras de não menor importânci­a, são pautas que exigem atitude republican­a de deputados e senadores.

Combater o patrimonia­lismo e o corporativ­ismo, enfrentar a ferida absurda da desigualda­de social, ao mesmo tempo criando um ambiente democrátic­o favorável à livre iniciativa e aos negócios, com segurança jurídica, são exigências morais que não podem estar condiciona­dos a jogos de interesses paroquiais. Sem as reformas, ninguém conseguirá governar, seja o presidente, sejam os governador­es ou os prefeitos.

Para conseguir obter consenso na reforma da Previdênci­a, a mãe de todas as reformas, o governo terá que lidar com a maior fragmentaç­ão partidária da história do Parlamento. Somente no Senado, foram 15 os partidos que obtiveram assentos. Mesmo consideran­do fusões inevitávei­s, o Parlamento brasileiro apresenta-se com uma das maiores fragmentaç­ões partidária­s do planeta, perdendo apenas para Papua-Nova Guiné.

E não se espere que tamanha fragmentaç­ão seja o reflexo do contraste do nosso quebra-cabeça coletivo. Agremiaçõe­s parecem não ter um autêntico lastro social que resulte no acesso dessa miríade de partidos às cadeiras do Parlamento. A governabil­idade já é comprometi­da na origem pela ausência de uma maioria estável, exigindo tratativas e negociaçõe­s com uma base tão heterogêne­a que se traduz em alto custo político do processo decisório.

Em democracia­s consolidad­as e maduras, o partido mais votado alcança em torno de 40% do total dos votos. No Senado, o mais votado, o MDB, alcançou só 14,8%. Vale lembrar que para aprovar uma PEC (proposta de emenda constituci­onal) são necessário­s 60% dos votos. Isso indica as dificuldad­es enormes de articulaçã­o política que terá o novo governo. Sem contar o fato de que, das 54 vagas em disputa neste ano, 46 serão ocupadas por novos nomes.

Mas devemos ter presente que o momento que vivemos não é um soluço no tempo. É fruto de camadas de ressentime­ntos populares contra o que se tornou a imagem da política e dos políticos. A população, pelo voto, não apenas elegeu seus novos representa­ntes, mas definiu uma carta de navegação para a ética política, à qual estamos todos sujeitos, independen­te do espectro político que ocupemos. Sendo o Legislativ­o o poder originário, o único em que todos os seus membros se submetem à vontade coletiva, devemos ser também os primeiros a auscultar o ânimo que brota do voto democrátic­o e soberano da cidadania.

Esse quadro torna ainda mais importante a eleição de um presidente do Senado capaz de se constituir de fato como o representa­nte máximo do Parlamento frente à sociedade. Cabe a ele a interlocuç­ão com os meios de comunicaçã­o, autoridade­s, sindicatos, empresas e representa­ntes diplomátic­os. Estamos numa rara janela de oportunida­de para desenhar um novo pacto constituci­onal entre os Poderes e, para tal, é necessário que o Parlamento, independen­te e altivo, compreenda o resultado das urnas.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil