Folha de S.Paulo

Novos modelos de instituiçõ­es financeira­s acirram concorrênc­ia

Setor bancário tradiciona­l vê fintechs com serviços voltados a agradar clientes insatisfei­tos

- Tássia Kastner

Com investimen­to em tecnologia e uma legião de insatisfei­tos com serviços oferecidos pelos grandes bancos, o C6 Bank deve ser a mais nova instituiçã­o financeira a se colocar como alternativ­a a clientes em um mercado ainda concentrad­o.

O banco digital foi criado do zero por ex-executivos do BTG Pactual e com investimen­to de R$ 500 milhões.

Por enquanto, aguarda autorizaçã­o do Banco Central para começar a prestar serviços —no final de dezembro, membros do BC cumpriam a etapa de inspeção operaciona­l na sede, em São Paulo.

Será um banco completo, com todos os serviços tradiciona­is de conta-corrente de pessoa física e pessoa jurídica, investimen­tos, crédito, cartões e câmbio.

Sem agências e com operação de baixo custo (mas não isenta de tarifas), o C6 fechou ainda parcerias com laboratóri­os de pesquisa do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachuse­tts) para buscar soluções inovadoras para problemas financeiro­s, um deles é a construção do modelo de crédito com base em dados alternativ­os, na tentativa de cobrar juros mais baixos.

O mercado brasileiro tem mais de 300 fintechs (empresas inovadoras do setor financeiro) prestando serviços diversos e conta ainda com a atuação de instituiçõ­es que não se enquadram nesse conceito, mas que têm atuação digital e disputam clientes dispostos a testar novos serviços.

O C6 entrará em um segmento que tem, além dos grandes bancos, a concorrênc­ia de Nubank (2,5 milhões de clientes), Neon (1,6 milhão de clientes), Inter (1,45 milhão) e Original (620 mil).

Essas instituiçõ­es ganharam musculatur­a nos últimos dois anos por oferecerem serviços sem tarifas —ou explicam de forma detalhada as taxas que cobram— e resolvem problemas dos consumidor­es de forma simples, geralmente em um chat pelo aplicativo.

Bernardo Pascowitch, diretor da ABFintechs, associação do setor, diz que o apelo dessas instituiçõ­es pode ser sintetizad­o em quatro itens: atendiment­o mais eficaz, transparên­cia na cobrança de tarifas, valorizaçã­o do cliente e preços mais baixos.

“Existe um embate sobre o que é fintech. Tem uma visão que a gente gosta que é colocar o cliente no centro do produto. Os bancos sempre desenvolve­ram seus produtos com foco nas suas margens, não no cliente”, diz.

Executivos e acadêmicos concordam que nenhuma dessas empresas reinventou a roda dos serviços financeiro­s, mas, ao criar empresas pensando em como melhorar a experiênci­a do cliente, transforma­ram o mercado.

Para o professor Lauro Gonzalez, coordenado­r do Centro de Estudos em Microfinan­ças e Inclusão Financeira da FGV (Fundação Getulio Vargas), essas novas instituiçõ­es passam a atender clientes que se considerav­am mal atendidos, seja por produtos que não se enquadram nas necessidad­es, seja por serviços mal prestados.

“Há uma certa homogeneiz­ação de produtos nos grandes bancos que não leva em conta os perfis dos clientes.”

Maria Gabriela Lopes Boruchosas, 25, começou a usar o cartão de crédito Nubank, a mais bem-sucedida fintech brasileira, em 2016. Antes pa- gava anuidade a um grande banco e relata que tinha problemas com as faturas.

O aplicativo não funcionava a contento e uma cobrança indevida levou tempo a ser resolvida. Migrou em definitivo quando descobriu que, no Nubank, podia antecipar o pagamento da fatura no aplicativo.

Depois a advogada mudou de emprego e abriu conta em outro grande banco, no qual a empresa deposita salário.

Apesar do convênio, paga tarifa de R$ 58, da qual pretende se livrar ao converter a conta-corrente em conta salário com portabilid­ade para a Nuconta.

“O índice de rejeição dos bancos é enorme, o cliente nos dá uma chance”, diz Jean Sigrist, diretor financeiro da Neon Pagamentos.

Leonardo Pedrosa Martinez, 33, foi bancário por três anos e diz conhecer por dentro como funciona a venda de produtos bancários. Abriu em 2016 uma conta na Neon, que hoje usa regularmen­te.

“Eu queria sair da dinâmica de agência, gerente ligando toda semana. Quando quiser um produto, eu vou atrás”, diz.

Ele reconhece, porém, os problemas que ainda podem surgir das instituiçõ­es financeira­s mais novas, que não tendem a ocorrer nas grandes instituiçõ­es.

Martinez teve R$ 40 mil em investimen­tos bloqueados quando o BC decretou a liquidação extrajudic­ial do Banco Neon, instituiçã­o homônima que administra­va a operação da fintech.

“Entrei em contato na hora, e a resposta não levou nem dez minutos. Semanalmen­te eu cobrava algum status e obtinha a resposta. Pela agilidade e pelo tom da conversa, isso me deixou seguro”, diz.

O dinheiro foi restituído em menos de dois meses pelo FGC (Fundo Garantidor de Créditos), acrescenta.

A agilidade de resolver problemas sem ter de ir a uma agência, algo ainda demandado por grandes bancos, é citada por clientes.

“Por mais que os bancos aperfeiçoe­m o atendiment­o, a diferencia­ção de usuários é limitada pela quantidade de clientes”, diz Gonzalez.

A reação das grandes instituiçõ­es já está ocorrendo, porém, e vem por parceiras fechadas com fintechs, investimen­to em tecnologia­s e até a criação de um banco novo totalmente do zero, como fez o Bradesco ao lançar o Next, em outubro de 2017, atualmente com cerca de 500 mil clientes.

Para Pascowitch, o contraataq­ue é natural, mas a postura competitiv­a não faz tanto sentido assim. “Nenhuma fintech quebrou nenhum banco”.

Já Gonzalez tem uma visão mais cautelosa. “Ninguém sabe qual vai ser o papel dos bancos daqui dez anos. Do ponto de vista dos acionistas, não estou preocupado, mas do modelo de negócio, a coisa pode ser muito diferente”, afirma.

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Karime Xavier/Folhapress Maria Gabriela Lopes Boruchosas planeja usar apenas serviços bancários de empresas alternativ­as
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