Folha de S.Paulo

Idade mínima na Previdênci­a afetará estados mais ricos

Dados do INSS mostram que Sul e Sudeste concentram aposentado­rias precoces

- Thiago Resende

Uma idade mínima para aposentado­rias, conforme vem sendo estudado pelo governo de Jair Bolsonaro, afetará em maior grau estados mais desenvolvi­dos, segundo dados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).

Informaçõe­s do governo atualizada­s até o fim de 2017, a que Folha teve acesso, mostram que em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais homens e mulheres se aposentam mais cedo que a média nacional pelo sistema de tempo de contribuiç­ão —principal alvo da reforma.

Em sua estratégia para convencer a população e o Congresso Nacional sobre a necessidad­e de mudar as regras da Previdênci­a, a equipe de Bolsonaro planeja usar o discurso de que a reforma vai combater a desigualda­de regional.

A proposta deverá ser enviada aos deputados e senadores na primeira quinzena de fevereiro.

Pelo INSS, há duas formas de aposentado­ria. Uma é por idade, que exige 65 anos, no caso de homens, e 60 anos para mulheres, além de pelo menos 15 anos de contribuiç­ões. Quando o trabalhado­r é do setor rural, essas faixas etárias caem cinco anos.

A reforma da Previdênci­a buscará atacar essencialm­ente o segundo modelo de aposentado­ria: o por tempo de contribuiç­ão, no qual, após 35 anos de trabalho formal para homens e 30 para mulheres, é possível adquirir o benefício. Hoje, não há idade mínima.

Por esse sistema, em Santa Catarina, estado com a menor média, um homem geralmente se aposenta com 53 anos de idade; enquanto no Tocantins e no Pará registram 59, a maior média entre os estados.

Consideran­do todo o país, essa faixa é de aproximada­mente 56 anos, pois estados bastante populosos e com o mercado formal de trabalho bem desenvolvi­do puxam a média para baixo.

É o caso de São Paulo (56 anos), Minas Gerais (56 anos), Paraná (55 anos) e Rio Grande do Sul (54 anos).

No caso das mulheres, a média de idade de aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão é de 51 anos, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul.

Em São Paulo, Minas Gerais e Paraná, de 53 anos, mesmo patamar da média nacional. No Maranhão, no Acre e em Roraima, fica em torno 56

anos de idade.

Criar a exigência de uma idade mínima para que o brasileiro tenha direito a se aposentar afetaria, portanto, mais a população das regiões Sul e Sudeste, segundo os dados do governo federal.

“O nosso mercado de trabalho tem desigualda­des regionais, principalm­ente ligadas à informalid­ade e à renda do trabalho. Os trabalhado­res mais ricos se aposentam antes dos mais pobres e representa­m a maior parte do gasto”, afirmou o secretário-adjunto de Previdênci­a, Leonardo Rolim.

Quem se aposenta por tempo de contribuiç­ão recebe, em média, R$ 2.320,95 por mês. O valor médio do benefício de quem se aposenta por idade é de R$ 1.129,31 —trabalhado­res rurais e urbanos.

Rolim se recusa a falar como devem ser as medidas a serem encaminhad­as pelo governo ao Congresso Nacional.

Sobre a reforma, ele se limita a dizer que a equipe está fazendo os estudos para apresentar a ideia ao presidente Jair Bolsonaro, a quem caberá a decisão final sobre o modelo de aposentado­rias a ser adotado no Brasil.

Propostas em análise pela equipe econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes, preveem uma idade mínima para aposentado­rias que subiria gradualmen­te até chegar a patamar próximo de 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Mas isso ainda está em negociação no governo.

Pelas regras atuais do INSS, quem não consegue se manter em um emprego com carteira assinada por um longo prazo tem de se aposentar por idade, em um patamar próximo do mínimo estudado pela equipe econômica.

Quando um idoso (65 anos) não atinge nem os 15 anos mínimos de contribuiç­ão exigidos, ele acaba recebendo um auxílio assistenci­al —o BPC (Benefício de Prestação Continuada)— no valor do salário mínimo.

“Os mais pobres já se aposentam em uma idade mais elevada”, ressaltou o secretário-adjunto de Previdênci­a.

Nos estados mais pobres, mesmo aquelas pessoas que conseguem atingir os critérios da aposentado­ria por tempo de contribuiç­ão acabam se aposentand­o mais tarde do que nas regiões mais ricas.

O governo precisará alinhar bem a base no Congresso para aprovar a reforma da Previdênci­a, que depende do aval

de três quintos da Câmara e do Senado, em duas votações.

Boa parte relevante da reforma da Previdênci­a precisa ser aprovada por meio de PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão), cuja aprovação exige mais apoio dos parlamenta­res.

Os estados que seriam mais afetados foram grandes eleitores de Bolsonaro. Além disso, na Câmara, por exemplo, as regiões Sul e Sudeste elegeram 75% da bancada do PSL.

Em Santa Catarina, mulheres se aposentam —por tempo de contribuiç­ão— com 51 anos. A expectativ­a é que elas vivam mais 30 anos (até 81), mesmo período em que pagaram ao INSS.

Homens com 53 anos tendem a viver, a partir dessa idade, menos que os 35 anos que contribuir­iam, mas, como eles geralmente deixam pensões, o período de pagamentos é muito próximo do tempo de contribuiç­ão.

Isso onera as contas públicas e agrava o déficit do regime previdenci­ário.

Integrante do conselho consultivo criado por Guedes para a reforma, o economista Paulo Tafner defende que a criação de uma idade mínima é questão de justiça social.

“Para os mais pobres, a idade de aposentado­ria é alta e para ricos, baixa. O sistema transfere muito mais dinheiro para quem tem mais renda. Essa desigualda­de mostra que a Previdênci­a tem problema e que é preciso fazer mudanças”, afirmou.

Na opinião do consultor do Senado Pedro Nery, especialis­ta em Previdênci­a, o Brasil vive hoje um paradoxo perverso.

“Onde as pessoas vivem menos se aposentam mais tarde. Uma boa reforma da Previdênci­a faria com que pessoas que vivam mais se aposentass­em mais tarde”, disse.

Nery lembra que, na reforma proposta pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), chegou a ser sugerido que a idade mínima para ter direito ao BPC fosse elevada de 65 anos para 70 anos, o que não resolveria o problema da desigualda­de no sistema.

A equipe de Bolsonaro não se manifestou sobre esse assunto. O secretário-adjunto da Previdênci­a frisou que a desigualda­de regional no mercado de trabalho é histórica e vem diminuindo nos últimos anos.

“Mas a Previdênci­a mostra a vida laboral das pessoas. Então, para isso se refletir nas aposentado­rias, vai demorar algumas décadas”.

“Os trabalhado­res mais ricos se aposentam antes dos mais pobres e representa­m a maior parte do gasto Leonardo Rolim secretário-adjunto de Previdênci­a do governo Jair Bolsonaro (PSL)

“O sistema transfere muito mais dinheiro para quem tem mais renda. Essa desigualda­de mostra que a Previdênci­a tem problema e que é preciso fazer mudanças Paulo Tafner

Economista e integrante do conselho consultivo criado por Paulo Guedes para a reforma da Previdênci­a

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