Filme ‘Roma’ recusa imperativo da libertação
Diferentemente de ‘Que Horas Ela Volta?’, do qual se aproxima, mexicano foge de caricaturas do cinema engajado
Assisto a “Roma”, de Alfonso Cuáron,e pasmo como anacronismo do tema. Superficialmente, o filme revisita a infânciado direto reas mulheres que a habitaram: a mãe e a avó, sim, mas sobretudo a empregada, que na história dá pelo nome de Cleo (Yalitza Aparicio).
Todas elas são figuras fortes, estoicas, sofridas, ao contrário dos machos, invariavelmente covardes e débeis (“comme d’habitude”, acrescento eu). Mas o anacronismo de que falo é outro e merece uma breve meditação.
A história dos últimos 300 anos poderia ser contada sob o ângulo da autonomia. O projeto liberal, e sobretudo o liberalismo político moderno, fez da autonomia individual a sua causa sagrada.
Verdade: diferentes liberais concederam ao conceito roupagens distintas. A libertação prometida fazia-se contra os poderes tradicionais; contra a pobreza e a ignorância; ou contra qualquer ligação social, familiar, sentimental, que nos limita ou obriga.
“Roma” questiona o dogma e, mais, através de Cleo, da sua dedicação à família, apresenta-nos uma vida que está longe, muito longe, das emancipações triunfais do “homo liberalis”.
Nesse sentido, eatép elassem elhançast em áticas,é inevitável a comparação entre“Roma” e “Que Horas Ela Volta?”.
Gostei do filme de Anna Muy la ert.Masahis tóri ade Val obedece ainda a esse imperativo de libertação —no caso, a libertação da empregada da casa dos patrões, reduzidos a dois clichês burgueses de insensibilidade (ela) ou apatia (ele). “Que Horas Ela Volta ?”, apesar dos seus méritos,é um filme quen ãoresisteà tentação da ideologia.
“Roma” pertence a outro universo precisamente por recusar a voragem moralista. Nem a família é uma caricatura burguesa, nem os empregados são caricaturas proletárias. Todos são como são, sem as máscaras habituais do cinema engajado.
E, sobre Cleo, a suprema heresia: será que a felicidade também se faz por apego a algo, ou a alguém, e não necessariamente pela mera renúncia narcísica a tudo aquilo que não foi feito à nossa imagem e semelhança?
Roma
Disponível na Netflix