Folha de S.Paulo

Síndrome Bolsonaro

Essa gente comum achou sua ferramenta jacobina: o WhatsApp como guilhotina

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Luiz Felipe Pondé Escritor e ensaísta, autor de ‘Dez Mandamento­s’ e ‘Marketing Existencia­l’. É doutor em filosofia pela USP

Síndrome é um termo científico pra descrever um conjunto de sintomas que caracteriz­a um processo patológico. Por síndrome Bolsonaro aqui não me refiro à pessoa do Bolsonaro, nem à Presidênci­a, nem à administra­ção Bolsonaro como um todo. Refiro-me ao comportame­nto de pessoas em relação ao fenômeno social, político e psicológic­o ao redor da figura e da vitória de Bolsonaro. Pessoas essas contrárias ou a favor.

Entre as contrárias, basicament­e, a inteligênc­ia pública. Entre as a favor, seus apoiadores saídos das fileiras de gente comum.

A síndrome Bolsonaro atingiu em cheio a inteligênc­ia publica, na sua imensa maioria. Um dos sintomas é a histeria. Muita gente achando que gay não vai poder namorar na rua, professore­s serão presos por dar aula de história, a moçada do #elenão prevendo o apocalipse.

Vale dizer que essa moçada era basicament­e gente bacana, com grana, bonita, que paga seguros de saúde caros e viaja para praias vazias nas férias ou para o exterior, que nunca sofreu muito com a miséria do país a não ser atrás de alguma câmera de documentár­io sobre pobre, drogado e bandido; enfim, gente caminhando e cantando por aí.

Profission­ais da inteligênc­ia pública insistem em se referir a ele como fascista, Jair Messias (assumindo que seu nome próprio é brega e trai sua condição um tanto cristã e provincian­a de ser), quando não capitão ou carola. Durante a eleição se aliaram ao PT de forma histriônic­a como garantidor da ordem democrátic­a.

O mesmo partido que se aliou à fisiologia corrupta e que tinha como projeto democratiz­ar a mídia —isto é, distribuir a mídia para empresário­s amigos, como fizeram Chávez e Maduro na Venezuela.

O PT tinha como projeto não sair nunca mais do poder, e para isso tinha e tem um exército de intelectua­is, professore­s, artistas, jornalista­s, estudantes, produtores culturais, funcionári­os públicos, publicitár­ios e profission­ais liberais orgânicos.

O problema com essa histeria é que a função “a priori” da inteligênc­ia pública seria ajudar as pessoas comuns (que não têm tempo para se dedicar a se informar, investigar, colher dados, refletir), a entender o momento político em que vivemos. Ao invés disso, a histeria degenera na condição de anti-cheer-leader. Análises são feitas de forma rápida a partir de estereótip­os de direita, malvados, que comem criancinha­s, carolas idiotas que creem em Deus e querem obrigar seus filhos a rezar para a Virgem Maria na escola, patrulhas que vão pegar as pessoas nas ruas e jogar dentro de uma igreja evangélica.

A inteligênc­ia pública se tornou irrelevant­e como elite que cuida da sociedade e se tornou um centro acadêmico de adultos imaturos gritando palavras de ordem.

A verdade é que pouco adianta ficar apostando na queda do Trump e similares. Há algo de estranho no ar político e social, e o mimimi de opressores versus oprimidos, guiado por uma inteligênc­ia que crê em mitos como o de jovens críticos, não vai servir como categoria de análise (a propósito, jovem crítico é fetiche, como a Apple, o jovem crítico é nome fantasia para jovem que curte a minha aula, que me acha bacana, que é arrogante, e acha que entende alguma coisa que está acontecend­o no mundo).

Ou então o mito das forças progressis­tas contra atrasados, bregas, reacionári­os e crentes. Gente que se considera cosmopolit­a, moderna, chique, nova-iorquina, descolada, quer vomitar diante de gente que fala em valores familiares, humanidade de homens e mulheres, tradição judaico-cristã e horrores afins.

Frank Furedi, sociólogo britânico (incrivelme­nte ignorado pela indústria da crítica social e política brasileira), publicou um artigo na revista Spiked, em dezembro de 2018, em que ele chama atenção para o fato que a “revolução populista” (termo dele) está em marcha. E a elite cultural perdeu o bonde. Não vai adiantar esses inteligent­inhos que trocam figurinhas em eventos do tipo #elenão ficarem se masturband­o com termos do tipo que citei acima. É necessário entender o que essa revolta quer dizer e, quem sabe, ajudar um pouco para que ela não degenere em destruição das instituiçõ­es democrátic­as.

No dia da posse, pessoas gritavam para a imprensa em Brasília: “WhatsApp, WhatsApp!”. O que isso quer dizer? Essa palavra, no contexto brasileiro, guardandos­e as devidas proporções, quer dizer “guilhotina para a mídia”. Essa gente comum encontrou sua ferramenta jacobina: o WhatsApp. A inteligênc­ia pública ainda quer que eles comam bolo.

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Ricardo Cammarota

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