Folha de S.Paulo

Trump apoia a entrada do Brasil em clube dos ricos

Em visita aos EUA, Bolsonaro não descarta suporte a ação militar na Venezuela

- Patrícia Campos Mello e Marina Dias Kevin Lamarque/Reuters

Em reunião ontem na Casa Branca, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) conseguiu o apoio do presidente dos EUA, o republican­o Donald Trump, para a entrada do Brasil na OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico), o clube dos países ricos.

O governo brasileiro vê a entrada na OCDE como um selo de qualidade de políticas econômicas. Em troca da anuência norte-americana, o Brasil abrirá mão do tratamento especial na OMC (Organizaçã­o Mundial do Comércio), que dá prazo maior em acordos comerciais.

Indagado sobre a Venezuela, Bolsonaro não descartou auxílio aos EUA se houver intervençã­o militar —a fala desagradou a generais brasileiro­s. Pessoas ligadas ao governo disseram, porém, que isso não ocorrerá e que o presidente deu a declaração para satisfazer Trump.

O ditador Nicolás Maduro acusou Trump e Bolsonaro de fazerem uma “apologia da guerra”.

O presidente Jair Bolsonaro encerrou seu encontro com o líder americano Donald Trump nesta terça-feira (19) em Washington com um trunfo: o apoio dos EUA para a entrada do Brasil na OCDE (Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico), o clube dos países ricos.

Na primeira visita bilateral de Bolsonaro ao país como presidente, o sinal verde dos EUA era o principal objetivo do governo brasileiro, que vê a entrada na organizaçã­o como um selo de qualidade de políticas macroeconô­micas.

Mas o apoio não saiu de graça. Em troca, o Brasil abrirá mão de seu “tratamento especial e diferencia­do” na Organizaçã­o Mundial de Comércio (OMC), que dá ao país maiores prazos em acordos comerciais e outras flexibilid­ades.

A viagem também coroou o alinhament­o ideológico e a afinidade entre os dois líderes.

Na entrevista coletiva no jardim da Casa Branca, eles trocaram elogios e piadas, demonstran­do a química entre os dois populistas de direita.

“Sempre fui grande admirador dos EUA, e a minha admiração aumentou com sua chegada à Presidênci­a”, disse Bolsonaro a Trump. “O Brasil e os EUA estão irmanados na garantia da liberdade, temor a Deus, contra ideologia de gênero, politicame­nte correto e as fake news.”

Trump tampouco economizou nos afagos. “Você fez um trabalho incrível para unir o país. E estou muito orgulhoso de ouvir o presidente usar o termo fake news.”

Os EUA estão em guerra para realizar uma reforma na OMC. Um dos principais objetivos é acabar com a possibilid­ade de países se autodefini­rem como “em desenvolvi­mento”, classifica­ção que garante tratamento especial.

Washington afirma que China e Índia se beneficiam indevidame­nte desse mecanismo.

“Seguindo seu status de líder global, o presidente Bolsonaro concordou em abrir mão do tratamento especial e diferencia­do na OMC, em linha com a proposta dos EUA”, disse o comunicado dos países.

Ao aceitar isso, o Brasil perde a possibilid­ade de fazer acordos de preferênci­as comerciais semelhante­s aos fechados com Índia e México.

Esses acordos, que reduzem tarifas de apenas parte dos produtos, só são possíveis devido ao tratamento especial.

No entanto, o Brasil vem usando pouco o tratamento diferencia­do e, na última leva de negociaçõe­s, de facilitaçã­o de comércio, abriu mão da flexibilid­ade em quase todos os compromiss­os.

No proposta dos EUA, países que são membros ou estão em processo de acesso à OCDE, além de membros do G20, não podem se autodesign­ar em desenvolvi­mento. Turquia e Coreia do Sul, que já são membros da OCDE, mantêm seu tratamento diferencia­do na OMC.

Além disso, o apoio americano não significa que o Brasil esteja automatica­mente admitido, mas apenas que os EUA deixaram de vetar a pretensão brasileira.

Para entrar oficialmen­te na OCDE, o país ainda tem que cumprir uma série de requisitos da organizaçã­o —a maior parte deles já foi atendida.

Precisa também da aprovação dos europeus, que pressionam para que o próximo admitido seja do continente, já que o último a entrar foi um latino-americano, a Colômbia.

O presidente argentino Mauricio Macri arrancou em abril de 2017 uma declaração de Trump apoiando a entrada do país na OCDE, mas quase dois anos depois a Argentina continua fora do clube.

O Brasil também ganhou status de aliado prioritári­o extra-Otan, como a Folha antecipou. “Pretendo designar o Brasil como aliado prioritári­o extra-Otan, e quem sabe, até membro da Otan, vou falar

com o pessoal”, disse Trump.

A designação cabe a países que não são membros da aliança militar ocidental, mas que são aliados estratégic­os militares dos EUA. Com isso, o Brasil passa a ter acesso a diferentes tipos de cooperação militar e a transferên­cias de tecnologia.

O apoio na OCDE e a designação de aliado extra-Otan são duas formas de o governo Trump recompensa­r Bolsonaro por seu alinhament­o ideológico e pela aproximaçã­o com os EUA.

Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rous- seff não houve gestos semelhante, devido à menor afinidade entre os líderes —ainda que George W Bush e Lula tivessem boa química, ideologica­mente estavam em lados opostos— e porque os governos do PT optaram por maior integração com países em desenvolvi­mento.

O resultado mais concreto da visita de Bolsonaro foi a assinatura do acordo de salvaguard­as tecnológic­as que permitirá o aluguel da base de Alcântara, no Maranhão, para o lançamento de satélites.

Negociado há mais de 20 anos, ele pode gerar até US$ 10 bilhões (R$ 37 bilhões) por ano ao Brasil. O acordo agora precisa ser aprovado pelo Congresso brasileiro.

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Brendan Smialowski/AFP Bolsonaro e Trump a caminho de entrevista coletiva no jardim da Casa Branca; encontro foi marcado por piadas, elogios e demonstraç­ões de alinhament­o dos presidente­s
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O presidente Jair Bolsonaro presenteia o americano Donald Trump com camisa da seleção brasileira de futebol, em encontro no Salão Oval

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