Procuradores podem criticar e espernear, diz Moraes
Parte dos ministros contesta falta de sorteio e de pedido à Procuradoria; Alexandre de Moraes diz que Ministério Público pode espernear à vontade
Alexandre de Moraes, responsável no STF pelo inquérito que vai apurar fake news e ameaças contra membros do tribunal, deu recado ao Ministério Público: “Podem espernear e criticar. Vamos prosseguir com a investigação”.
O STF, contudo, está dividido —há discordância sobre o procedimento adotado pelo presidente da corte, Dias Toffoli.
Ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) estão divididos sobre o inquérito aberto na semana passada pelo presidente, Dias Toffoli, para investigar fake news, ameaças e ofensas à honra de membros da corte e familiares.
A discordância é sobretudo quanto ao procedimento: Toffoli instaurou o inquérito de ofício (sem provocação de outro órgão), sem pedir providências ao Ministério Público, e designou o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo sem fazer sorteio e sem ouvir os colegas em plenário.
Existe uma percepção, no entanto, de que algo precisava ser feito para conter supostos ataques em série à instituição.
Há ministros que declararam apoio à investigação e outros que a criticaram por ter excluído a Procuradoria.
Questionado sobre as críticas que o Ministério Público tem feito ao inquérito, Moraes respondeu com expressão jocosa usada no meio jurídico.
“No direito, a gente fala que é o ‘jus sperniandi’, o direito de espernear. Podem espernear à vontade, podem criticar à vontade. Quem interpreta o regimento do Supremo é o Supremo. O regimento autoriza, o regimento foi recepcionado com força de lei e nós vamos prosseguir a investigação”, afirmou nesta terça (19).
O ministro Marco Aurélio declarou a jornalistas que o presidente do Supremo deveria ter pedido ao Ministério Público que abrisse a investigação. Em sua opinião, mesmo agora, já instaurado, o inquérito deveria ser encaminhado à Procuradoria.
Segundo Marco Aurélio, havia uma expectativa de que Toffoli levasse o caso ao plenário, o que não aconteceu. “Eu me posicionaria contra, porque, sempre quando me defronto com quadro que sinaliza prática delituosa, o que eu faço? Eu aciono o Estado acusador. E o Supremo não é o Estado acusador, é o Estado julgador”, disse.
Toffoli anunciou a apuração na quinta (14). No dia seguinte, a procuradora-geral, Raquel Dodge, pediu a Moraes informações sobre o inquérito e sugeriu que a corte extrapolou suas atribuições, porque o órgão que julga não pode ser o mesmo que investiga.
Moraes se reuniu com Dodge na manhã desta terça por cerca de uma hora e meia — segundo a agenda oficial, para tratar de uma ação ajuizada por ela contra a fundação que a Lava Jato em Curitiba pretendia criar com dinheiro de multas da Petrobras.
O ministro informou que solicitou à Polícia Federal e à Polícia Civil de São Paulo um delegado de cada corporação para auxiliá-lo nas diligências, “principalmente [sobre] a questão dessa rede de robôs, de WhatsApp, Twitter, essa rede que alguém paga, alguém financia por algum motivo”. “O que vem se pretendendo é desestabilizar o STF”, disse. Antes de ingressar na corte, Moraes foi secretário da Segurança Pública de São Paulo.
Segundo ele, se forem localizados suspeitos, os casos serão remetidos às instâncias responsáveis por julgá-los —o STF só julga pessoas com prerrogativa de foro especial, como deputados e senadores.
Em viagem a Belo Horizonte, Toffoli afirmou que a sociedade inteira é vítima de fake news. “Temos recebido na central do cidadão do Supremo inúmeras mensagens indicando e denunciando fake news contra toda a sociedade brasileira”, declarou.
Vice-presidente da corte, o ministro Luiz Fux não criticou a iniciativa, mas disse considerar que, em algum momento, o inquérito terá de ser remetido ao Ministério Público.
“O artigo 40 do Código de Processo Penal diz que, se o juiz verificar ocorrência de crimes, ele manda para o Ministério Público. Eu acho que o ministro Toffoli vai mandar para o Ministério Público. Não tem como o juiz ser acusador e julgador”, afirmou.
Já o decano do Supremo, ministro Celso de Mello, demonstrou apoio à investigação durante a sessão de quinta. Afirmou que a corte não pode se expor a pressões externas resultantes do clamor popular nem à panfletagem.
Na noite desta terça, o presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, defendeu a iniciativa de Toffoli. “Nós temos no Brasil hoje uma milícia organizada nas redes sociais, e nós temos que compreender a quem essa milícia serve”, disse. “Isso não é bom para o debate público, isso busca prejudicar a imagem das instituições”, afirmou o advogado.