Folha de S.Paulo

Momo, o terror da internet, só é real para quem ajuda a espalhar o boato

Folha busca figura que supostamen­te ensina crianças a se matar durante dias no YouTube, mas ela não aparece; empresa nega a existência

- Phillippe Watanabe

A notícia falsa da vez envolve preocupaçã­o de pais, relatos de choros dos filhos e ação de “trolls” da internet. Tudo envolve a figura grotesca Momo, que supostamen­te está presente em vídeos do YouTube Kids ensinando crianças a se matar.

A reportagem da Folha passou dois dias assistindo a vídeos no YouTube Kids à procura de Momo. A busca começou com as animações que teriam a imagem bizarra, segundo relatos nas redes sociais, e depois continuou com as recomendaç­ões de vídeos oferecidas e sua reprodução automática.

Em meio a vacas comendo hambúrguer­es azuis e andando de costas e sucos feitos com uvas de plástico, a imagem de Momo não foi vista nenhuma vez. O YouTube declarou que não há evidências da aparição de Momo em nenhum vídeo de sua plataforma.

No entanto, em uma busca sobre Momo no Google a reportagem achou um vídeo de uma animação que, depois de alguns minutos, é interrompi­da com imagem de um homem que dá indicações sobre automutila­ção, em inglês.

O vídeo era citado como exemplo contraindi­cado a crianças em um blog que alertava pais sobre possíveis riscos do YouTube. Procurada, a empresa não respondeu até a publicação desta reportagem.

Liubiana Arantes, neurocient­ista e presidente do departamen­to científico de comportame­nto e desenvolvi­mento da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), diz que o pânico gerado pelo Momo é um eco do jogo Baleia Azul, de 2017. À época, Thiago Tavares, presidente da ONG Safernet, disse que a história falsa acabou virando realidade com a atenção da mídia.

“Os pais têm que ter maturidade e discernime­nto para saber o que vão divulgar e compartilh­ar, até para serem exemplo para as crianças de uso consciente da tecnologia.”

Arantes afirma que mostrar o conteúdo ou divulgar a história na tentativa de alertar as crianças sobre os perigos tem o efeito contrário. “Quanto mais os pais divulgam, mais o boato ganha força. Se ninguém divulgasse, o risco de que crianças recebessem essas mensagens seria mínimo.” Ou seja, quem procura acha.

Originalme­nte, Momo é uma escultura do artista japonês Keisuke Aiso, apresentad­a em 2016 na Galeria Vanilla, em Tóquio, segundo o site Know your Meme, que rastreia a origem de memes.

A escultura bizarra passou a aparecer em publicaçõe­s de Instagram e ganhou espaço em fóruns de internet fora de seu contexto original. O rastreio da origem de Momo indica que ela vem de página de trolls, com chamadas sensaciona­listas e imagens aleatórias em busca de cliques.

Reportagen­s sem evidências em jornais pelo mundo só ajudaram a espalhar o boato e o medo. Na Argentina, um tabloide ligou Momo ao suicídio de uma menina. Na Índia se alastraram relatos não confirmado­s e de origem pouco substancia­da sugerindo que Momo teria levado a suicídi- os reais no ano passado.

Em fevereiro deste ano, um jornal escocês reportou que uma mãe disse que seu filho teria tido contato com a imagem de Momo enquanto assistia vídeos de pegadinhas. Em seguida, uma escola do Reino Unido fez a alegação de que havia sido avisada de que a figura Momo estava aparecendo em vídeos no Youtube Kids, mais uma vez sem nada concreto a apresentar.

A história chegou ao celular de Kim Kardashian que postou em 26 de fevereiro sobre o suposto desafio para os seus 131 milhões de seguidores.

Veículos internacio­nais avisaram que não passava de fake news, mas ainda assim o pavor foi se espalhando pelas redes sociais até chegar ao Brasil e inundar os grupos de WhatsApp de pais e mães daqui.

Departamen­tos policiais e administra­dores escolares também divulgaram o fenômeno como uma ameaça verificada e iminente, com base em relatos de segunda ou terceira mão de crianças aflitas transmitid­os pelos pais.

Em agosto de 2018, por exemplo, a Polícia Civil de Pernambuco começou a investigar se a morte por enforcamen­to de um menino de nove anos, no Recife, estava ligada a Momo. O caso, ainda sem data para conclusão das investigaç­ões, fez com que escolas de diferentes regiões do Brasil disparasse­m alertas.

Os comunicado­s encaminhad­os aos pais de crianças e adolescent­es, de maneira geral, apresentam a “Boneca Momo” como uma isca plantada por criminosos para roubar dados pessoais e propor desafios que podem levar à morte —mas não há evidências disso, frisa-se. “Orientamos os pais que fiquem atentos e conversem com seus filhos para evitarem maiores problemas”, diz comunicado de um dos Colégios Maristas.

Quando o assunto é internet, uma boa dica é que os pais só permitam que os filhos entrem em redes sociais a partir dos 13 anos ou até mais tarde, dependendo da maturidade das crianças. Além disso, acompanhá-las na vida online —estar de olho em postagens e até dividir senhas em alguns casos— pode garantir um pouco mais de segurança.

A Sociedade Brasileira de Pediatria indica que o uso diário de tecnologia seja limitado: máximo de 1 hora por dia para crianças entre 2 e 5 anos, com acompanham­ento e explicaçõe­s dos pais.

A Academia Americana de Pediatria indica que para crianças maiores de 6 anos deve-se colocar limites de tempo para consumo de telas.

 ?? Tracy Ma/The New York Times ?? Ilustração da escultura japonesa Momo
Tracy Ma/The New York Times Ilustração da escultura japonesa Momo

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