Folha de S.Paulo

Governo prioriza método fônico na alfabetiza­ção

Texto é preliminar; ministério pode condiciona­r assistênci­a financeira a adesão

- Paulo Saldaña

A minuta do decreto da Política Nacional de Alfabetiza­ção do governo Bolsonaro recomenda a adoção de só um método de alfabetiza­ção, o fônico. Para especialis­tas, não se deve impor uma única pedagogia, respeitand­o-se a autonomia de redes de ensino e professore­s.

A minuta do decreto da nova Política Nacional de Alfabetiza­ção do governo Jair Bolsonaro (PSL) preconiza a adoção de apenas um método de alfabetiza­ção, o chamado fônico, e a participaç­ão das famílias no processo. O texto, ainda preliminar, não detalha as ações do pacote e como será a implementa­ção.

A equipe do ministro Ricardo Vélez Rodríguez finalizou a minuta e faz ajustes no texto já em conversas com a Casa Civil, onde o documento chegou no fim do mês passado.

O tema é uma das metas do governo para seus cem primeiros dias –apesar da minuta, o MEC registra atrasos em ações que preocupam os atores do sistema educaciona­l.

O decreto, ao qual a Folha teve acesso, indica a predominân­cia do chamado método fônico (que concentra atenção na relação entre letras e sons para depois chegar à leitura).

Os programas e ações deverão ser fundamenta­dos em cinco pilares: “consciênci­a fonêmica, instrução fônica sistemátic­a, fluência em leitura oral, vocabulári­o e compreensã­o de texto”.

Especialis­tas e secretário­s de Educação defendem que o MEC não deve impor uma única pedagogia, respeitand­o a autonomia das redes e dos professore­s. Além disso, há discussões sobre a necessidad­e de conciliar diferentes metodologi­as no ensino.

Há no texto a previsão de adesão voluntária das redes de ensino à política, como de costume nas ações do MEC. Mas ao eleger um método específico como diretriz, o MEC condiciona a assistênci­a técnica e financeira federal (também prevista, sem detalhes) ao alinhament­o das secretaria­s.

O teor do decreto vai na contramão do lema “Menos Brasília, Mais Brasil”, repetido por Bolsonaro e Vélez como forma de reforçar o protagonis­mo de estados e prefeitura­s.

Sem trazer ações que impactarão os sistemas de ensino e de formação de professore­s, a minuta só descreve que a Política Nacional “implementa­rá programas e ações voltados à erradicaçã­o do analfabeti­smo absoluto e do analfabeti­smo funcional”.

A pasta havia defendido, em publicação em seu site, que a política não impulsiona­ria apenas um método. Alessio Lima, presidente da Undime (órgão que agrega secretário­s municipais de Educação), reuniu-se três vezes com o grupo de trabalho do tema. Até o último encontro, a informação era de que não haveria preferênci­a por um método.

“Não tem como dissociar o método fônico do processo de alfabetiza­ção, mas [uma política federal] não pode ficar presa a isso. Escolher um método desconside­ra a realidade de formação dos diferentes educadores”, diz ele.

A minuta indica que o processo de alfabetiza­ção seja priorizado no 1º ano do ensino fundamenta­l, mas há a orientação clara para que se alfabetize já na educação infantil. Há receio por parte dos especialis­tas de que uma alfabetiza­ção precoce possa prejudicar o desenvolvi­mento natural das crianças.

O decreto também reforça o “reconhecim­ento da família como um dos agentes do processo de alfabetiza­ção”.

Indicado pelo escritor Olavo de Carvalho, o secretário de Alfabetiza­ção, Carlos Nadalim, é defensor do método fônico. Ele é dono de uma escola em Londrina, chamada Mundo do Balão Mágico, onde teria desenvolvi­do um método inspirado no fônico.

O MEC está no centro de uma crise depois que um processo de mudanças de cargos no MEC atingiu alunos de Olavo, ideólogo do governo Bolsonaro. A redação do decreto veio para atender o ímpeto do grupo ligado a Olavo, que fez uma campanha que custou o cargo de dois auxiliares próximos a Vélez e quase derrubou o próprio ministro.

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