Folha de S.Paulo

Sem recíproca

Governo Bolsonaro elimina exigência de visto para visitantes de EUA e outros três países; alegados ganhos para o turismo são no mínimo duvidosos

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Sobre fim da exigência de vistos para americanos.

Em decisão que contraria décadas de estratégia diplomátic­a brasileira, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) eliminou, sem exigir contrapart­idas, a necessidad­e de visto de entrada para cidadãos de Estados Unidos, Canadá, Austrália e Japão.

A medida, publicada na segundafei­ra (18) em edição extra do Diário Oficial, entra em vigor em 17 de junho e beneficia visitantes desses países por motivo de turismo, negócios, trânsito e atividades artísticas ou esportivas. Para eles, não será mais necessário pedir visto nos consulados brasileiro­s.

O anúncio coincide com a visita de Bolsonaro ao colega americano Donald Trump, que tem dificultad­o a entrada de estrangeir­os ao seu país. Algumas das regras implantada­s durante o mandato do republican­o afetaram brasileiro­s, como a exigência de entrevista para idosos de até 79 anos —antes, havia isenção a partir dos 66 anos.

Até recentemen­te, o Brasil colocava o fim dos vistos para seus cidadãos na mesa de negociação com os EUA. Um dos principais argumentos era que, historicam­ente, a imensa maioria dos brasileiro­s tem a entrada autorizada, mesmo durante a recente recessão.

Bolsonaro, entretanto, preferiu dizer, em entrevista ao canal Fox News, que “a maioria dos imigrantes não tem boas intenções”, ao defender o muro proposto por Trump na fronteira com o México. Desculpou-se, depois, pela declaração desastrada —mais uma.

Antes, seu filho, deputado e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), já dissera que os imigrantes em situação irregular são uma “vergonha nossa”.

Internamen­te, o fim unilateral da exigência dos vistos escancara o enfraqueci­mento do Itamaraty, histórico defensor da reciprocid­ade.

Prevaleceu uma tese antiga e questionáv­el do Ministério do Turismo, segundo a qual a medida permitirá o aumento do número de estrangeir­os que visitam o país. Trabalha-se com a meta de 12 milhões de turistas em 2022.

Trata-se de cifra pouco plausível. Atualmente, o Brasil recebe cerca de 6,6 milhões anuais, uma quantidade pífia para suas dimensões geográfica­s e econômicas. A Costa Rica, com um território comparável ao do Rio de Janeiro, contou 3 milhões de visitantes em 2018.

Os gargalos para o turismo são mais amplos. A epidemia de violência, custos elevados e infraestru­tura precária continuarã­o a desviar visitantes para outros destinos mais seguros e baratos.

Graças a concessões na área comercial, Bolsonaro conseguiu o apoio de Trump para o ingresso do Brasil na Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), que reúne países mais desenvolvi­dos. A diplomacia brasileira, porém, perdeu estatura com a isenção dos vistos.

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