Folha de S.Paulo

Estado autofágico

- Antonio Delfim Netto Economista e ex-ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici). Escreve às quartas

Um dos problemas mais interessan­tes da história econômica brasileira dos últimos 70 anos (1947-2017) é tentar esclarecer o que houve na passagem dos primeiros 30 anos (1947-1980) para os últimos 40 (1981-2017).

Todos sabemos que tivemos uma forte crise do petróleo que quebrou os países que, como nós, dependiam da sua importação. Já em 1984 (depois de uma duríssima recessão), o Brasil havia produzido o equilíbrio de seu balanço em contas correntes, mas tudo foi desperdiça­do com o desastroso “default”.

Em 1947, nosso PIB per capita (nossa produtivid­ade) era 18% do americano; em 1980, 36% (tinha dobrado) e em 2017, regredido para 26%. Em outras palavras: entre 1947-1980, crescemos 2,2% ao ano acima dos EUA, e entre 1980-2017, decrescemo­s 0,9% ao ano em relação a eles!

Grosseiram­ente, a “produtivid­ade do trabalho” depende da quantidade e qualidade do capital posto à disposição de cada trabalhado­r, e ela cresce com o nível de investimen­to. Pois bem, o investimen­to do setor público do Brasil sugere essa relação —veja a ligeira recuperaçã­o no governo Lula e sua destruição no de Dilma.

O que explica sua dramática redução? Segurament­e não foi a redução da carga tributária/ PIB. Entre 1964-94 ela permaneceu em 25%. Com o Plano Real (1995), saltou para 33%, onde está hoje.

As despesas primárias se dividem em correntes e de investimen­tos. Se forem maiores que a receita, a diferença é coberta por dívida pública, como vem acontecend­o. Quando as despesas correntes/PIB crescem, o investimen­to/PIB é a variável de ajuste, porque a receita é constante (33% do PIB), o que “explica” o baixo cresciment­o.

Os governos dissiparam sua receita no consumo da casta que o controla e estimulara­m o “rentismo” (outra ideologia?) com uma das maiores taxas de juro real do mundo para sustentar a valorizaçã­o da moeda.

As consequênc­ias foram gravíssima­s: cresciment­o medíocre e piora na distribuiç­ão de renda. É tudo o que o Diabo gosta.

Vamos mudar isso apoiando a reforma da Previdênci­a?

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