Folha de S.Paulo

Em revés para Moro, Câmara trava tramitação de pacote anticrime

- Ricardo Della Coletta Alan Santos - 18.mar.19/PR

Em um revés para o ministro da Justiça, Sergio Moro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), travou a tramitação do pacote de medidas de endurecime­nto de penas e de combate ao crime proposto, em fevereiro, pelo ex-juiz da Lava Jato.

Em despacho feito na última quinta-feira (14), Maia determinou a criação de um grupo de trabalho para analisar o chamado projeto de lei anticrime de Moro e duas outras propostas correlatas que já tramitavam na Câmara.

Como o grupo de trabalho tem o prazo de 90 dias para debater as matérias, na prática Maia suspendeu momentanea­mente a tramitação da maior parte do pacote legislativ­o do ministro da Justiça.

A Comissão Especial para discutir o projeto anticrime de Moro só deve ser instalada após a conclusão dos trabalhos do grupo.

A “trava” colocada por Maia no texto de Moro pode se estender por ainda mais tempo, uma vez que o ato de criação do grupo prevê que o seu funcioname­nto poderá ser ampliado por outros 90 dias, mediante solicitaçã­o do coordenado­r do colegiado à presidênci­a da Câmara.

O ministro Sergio Moro divulgou seu projeto no dia 4 de fevereiro. A redação prevê uma série de modificaçõ­es no Código Penal, Código de Processo Penal, Lei de Execução Penal, Lei de Crimes Hediondos e Código Eleitoral. Entre os principais pontos do pacote está o cumpriment­o da prisão após a segunda instância.

Desde que foi lançado, o texto de Moro sofreu críticas de parlamenta­res e de juristas, o que levou o ministro a realizar mudanças na sua redação e a fatiá-lo para facilitar sua tramitação no Congresso.

No entanto, a constituiç­ão do grupo de trabalho por Maia é o maior entrave criado até o momento para o seu avanço na Câmara, principalm­ente porque Moro vinha defendendo que o tema deveria ser tratado de forma prioritári­a.

O pacote anticrime foi encaminhad­o ao Congresso Nacional em três projetos diferentes. A decisão de Maia alcança o principal deles, que promove o maior número de alterações. Ficaram de fora do grupo de trabalho a proposição que criminaliz­a o caixa dois e a que trata das competênci­as da Justiça comum e da Justiça Eleitoral. Em tese, estes dois projetos podem continuar tramitando, mas ainda não houve despacho do presidente da Câmara para que eles avancem no Parlamento.

Neste domingo (17), em artigo na Folha, Moro fez um novo apelo pela aprovação do seu projeto no Congresso.

“Há muitas prioridade­s na agenda governamen­tal, como a nova Previdênci­a, mas segurança pública e justiça também são importante­s. O tempo está passando. Os alertas evidenciad­os pelo cresciment­o da criminalid­ade grave não devem ser ignorados. Se o passado nos ensina algo, é que os problemas não desaparece­m se os ignorarmos”, escreveu o ministro.

Alguns parlamenta­res vinham argumentan­do que o envio do projeto anticrime ao mesmo tempo em que o governo tenta angariar apoios para votar a reforma da Previdênci­a poderia contaminar o ambiente no Legislativ­o e dificultar a aprovação das mudanças no sistema de pensões, considerad­a prioridade máxima pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes.

O grupo de trabalho criado por Maia será coordenado pela deputada Margarete Coelho (PP-PI) e terá a participaç­ão de outros seis deputados: Capitão Augusto (PR-SP), João Campos (PRB-GO), Orlando Silva (PC do B-SP), Subtenente Gonzaga (PDT-MG), Lafayette de Andrada (PRB-MG) e Hildo Rocha (MDB-MA).

O colegiado de parlamenta­res deverá atuar em conjunto com um grupo de trabalho em funcioname­nto no âmbito do Conselho Nacional de Justiça.

Segundo Orlando Silva, muitos dos itens do projeto anticrime de Moro estavam contemplad­os, com perspectiv­as distantes, em outras propostas já apresentad­as à Casa.

“O presidente Rodrigo Maia criou um espaço de diálogo entre o projeto do governo e a proposta de um grupo de juristas liderados pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo”, disse o deputado. “Se essa outra proposta fosse ignorada seria uma desconside­ração com o trabalho de meses desses juristas”, disse.

Orlando Silva se refere a um projeto de lei elaborado por uma comissão de especialis­tas para tratar do combate ao crime organizado, dos delitos de tráfico de drogas e armas e dos crimes cometidos com violência, entre outros. Esses projetos serão analisados juntos ao projeto de Moro.

Dias após a criminaliz­ação do caixa dois ser incluída no projeto, o governo Jair Bolsonaro decidiu fatiar em três partes o pacote do ministro da Justiça, deixando em texto separado a proposta.

A ideia de tirar a criminaliz­ação do caixa dois do texto principal visou atenuar a resistênci­a de parlamenta­res e acabou expondo Moro por confrontar seu discurso de ministro em relação ao de juiz.

Como juiz, Moro enfatizava a gravidade do caixa dois. “Muitas vezes [o caixa dois] é visto como um ilícito menor, mas é trapaça numa eleição”, afirmou em agosto de 2016.

Como ministro de Bolsonaro, diante da decisão de separar a proposta, Moro afirmou ter atendido à queixa de alguns políticos de que “o caixa dois é um crime grave, mas não tem a mesma gravidade que corrupção, crime organizado e crimes violentos”.

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O ministro Sergio Moro, nos EUA

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