Folha de S.Paulo

Tom belicista de brasileiro sobre Venezuela preocupa militares

- Igor Gielow

O tom adotado nos EUA pelo presidente Jair Bolsonaro acerca do apoio a uma eventual ação militar contra a Venezuela fez soar alarmes entre oficiais generais da ativa do Exército.

Eles temem que o presidente tenha se comprometi­do a ajudar os Estados Unidos na missão de derrubar o ditador Nicolás Maduro e consideram que isso seria um ponto de ruptura no apoio da cúpula ao governo.

Em grupos de WhatsApp, militares passaram a tarde de terça (19) trocando impressões sobre as falas de Bolsonaro sobre Venezuela durante sua visita oficial a convite do colega Donald Trump. Os dois presidente­s não descartara­m ações militares, o brasileiro falou que não poderia detalhar conversas, enfim, deixou a possibilid­ade no ar.

A versão de que o Brasil poderia ofertar auxílio logístico a alguma operação americana circulou nos celulares dos militares, tendo sido publicada como uma possibilid­ade pelo site G1. Segundo dois generais ouvidos pela Folha ,ahipótese é hoje inaceitáve­l pela maioria da cúpula da defesa brasileira.

Eles conjectura­ram que, nos momentos em que esteve sozinho com Trump, apenas acompanhad­o pelo filho e deputado federal Eduardo, Bolsonaro pode ter sido mais assertivo com o americano.

Um dos oficiais, simpático ao presidente desde sua candidatur­a, comparou a hipótese com a promessa que Bolsonaro fez de abrir uma base americana no Brasil —descartada assim que levantou voo.

Outro oficial afirma que se tal ideia fosse adiante, seria inevitável a reavaliaçã­o do apoio generaliza­do que o presidente tem entre os altos estratos das Forças, especialme­nte o Exército de onde Bolsonaro é oriundo.

Ele ressalta que o presidente foi aos EUA acompanhad­o pelo seu mais próximo conselheir­o militar, o general da reserva Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucio­nal, e pelo porta-voz Otávio do Rêgo Barros, um general da ativa em ascensão dentro do Exército.

Em outros momentos, os dois moderaram palavras de Bolsonaro, como no episódio em que ele disse que a democracia só existe porque os militares assim o querem. Mas o oficial também não descarta uma real mudança de posição em relação à Venezuela, ainda que seja para pressionar Maduro, o que pode ter repercussõ­es imprevisív­eis.

Mesmo entre militares americanos, ouvidos pela imprensa local, há sérias dúvidas sobre a exequibili­dade de intervir na Venezuela sem causar uma tragédia humanitári­a ainda maior do que a existente.

Opções de ações de forças especiais contra o ditador são ventiladas de tempos em tempos também.

Se a orientação brasileira mudar, terá sido uma vitória do grupo que se diz discípulo do escritor Olavo de Carvalho no governo e no entorno de Bolsonaro, no caso das relações exteriores o chanceler Ernesto Araújo, Eduardo e o assessor internacio­nal do Planalto Filipe Martins.

A ala já se antagonizo­u publicamen­te com o vice-presidente, o general Hamilton Mourão, que foi adido militar na Venezuela e é um dos mais vocais membros do governo contrários a qualquer saída que não seja diplomátic­a para a crise de representa­tividade no país vizinho. Heleno também já se manifestou contra intervençã­o.

Assuntos militares estiveram no foco da visita de Bolsonaro. A concessão do status de aliado prioritári­o extraOtan pelo governo de Trump ao Brasil é um marco nas relações político-militares entre os dois países. Mas pode não passar disso.

A Argentina, em que pese anos de dissolução econômica e governos antiameric­anos, tem tal status desde 1998 e hoje tem forças militares esquálidas.

Pode ser diferente com o Brasil, caso o país não quebre numa crise fiscal e a depender dos rumos do governo Bolsonaro.

Historicam­ente, há uma ciclotimia na relação dos militares brasileiro­s com os EUA. Sempre prevaleceu o nacionalis­mo, apesar de momentos de aliança forte —na Segunda Guerra ou no apoio de Washington ao golpe de 1964.

O acerto com os EUA tem duas vertentes potenciais benéficas. Pode trazer avanços em áreas em que o Brasil patina; o país desenvolve­u blindados sobre rodas, mas não domina os sobre lagartas.

E haver uma abertura de mercado na mão contrária, favorecend­o por exemplo a Embraer agora associada à Boeing americana para vender produtos militares.

Tudo isso dependerá, basicament­e, da dinâmica a relação entre as alas militares e ideológica­s do governo.

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