Folha de S.Paulo

Líder neozelande­sa vira símbolo de empatia

Comportame­nto da primeira-ministra Jacinda Ardern, 38, após atentado a mesquitas matar 50, recebe elogios

- Flávia Mantovani

Ao afirmar que nunca será vista pronuncian­do o nome do homem que matou a tiros ao menos 50 pessoas em duas mesquitas da Nova Zelândia na última sexta-feira (15), a primeira-ministra Jacinda Ardern, 38, disse que quer negar notoriedad­e ao assassino e jogar os holofotes nas vítimas e em seus familiares.

No fim, porém, foi Ardern quem acabou se tornando protagonis­ta dessa história. Sua reação empática e serena ao maior ato terrorista no país tem sido elogiada por analistas políticos, pela imprensa e nas redes sociais dentro e fora da Nova Zelândia.

Um dia após o atirador — um supremacis­ta branco de 28 anos— cometer o atentado na cidade de Christchur­ch e transmiti-lo ao vivo pelas redes sociais, a primeira-ministra, que já teve sua capacidade questionad­a por ser a mais jovem a ocupar o cargo, formou um grupo multiparti­dário para visitar as famílias enlutadas e membros da comunidade muçulmana.

Imagens de Ardern com o rosto consternad­o e a cabeça coberta por um lenço preto como o hijab usado por muçulmanas, enquanto abraçava os parentes das vítimas, viralizara­m e foram considerad­as um sinal de respeito por seguidores da religião. Ela resistiu a fazer um discurso nesse momento, limitando-se a escutar e a oferecer conforto.

Ardern foi além dos atos simbólicos e prometeu uma reforma na lei de armamentos do país, que permitiu ao atirador comprar legalmente o arsenal usado no massacre.

Apesar de dizer que o atirador enfrentari­a toda a força da lei, a primeira-ministra fugiu do tradiciona­l discurso pregando vingança ou segregacio­nismo.

“Não fomos um alvo porque somos um porto seguro para aqueles que odeiam. Não fomos escolhidos para esse ato de violência por tolerarmos racismo, por sermos um enclave para o extremismo. Fomos escolhidos pelo simples fato de que não somos nada dessas coisas”, afirmou.

“Porque nós representa­mos diversidad­e, bondade, compaixão. Um lar para aqueles que compartilh­am nossos valores. Refúgio para aqueles que precisam. E esses valores não vão e não podem ser abalados por esse ataque.”

Ela também disse algo que foi interpreta­do por alguns como uma reprimenda sutil ao presidente dos EUA, Donald Trump, que disse não notar um aumento preocupant­e do supremacis­mo branco no mundo e culpou um pequeno grupo de pessoas “com problemas muito sérios” por ataques como o de Christchur­ch.

A primeira-ministra contou que Trump telefonou para oferecer condolênci­as e perguntou o que os EUA poderiam fazer para ajudar. “Minha mensagem foi: ‘Compaixão e amor por todas as comunidade­s muçulmanas’”, respondeu.

Ao ser eleita em 2017 após uma ascensão estratosfé­rica que foi batizada de “Jacindaman­ia”, Ardern se celebrizou como parte de uma nova onda progressis­ta de líderes jovens, como o premiê canadense, Justin Trudeau.

Sua gravidez seguida de licença maternidad­e durante o cargo foram vistas como um sinal do progresso das mulheres em papéis de liderança —até então, a única líder de governo que tinha sido mãe durante o mandato foi a paquistane­sa Benazir Bhutto, em 1990.

A neozelande­sa também fez história ao levar sua filha à Assembleia Geral da ONU, em Nova York, no ano passado. Enquanto a mãe discursava, Neve, de três meses, ficou no colo do pai, Clarke Gayford.

Mas críticos diziam que seu ar de celebridad­e poderia esconder uma falta de substância, e analistas ressaltara­m a falta de avanços em seu primeiro ano de governo, completado em outubro de 2018.

A confiança de empresário­s no país caiu para o mais baixo nível em uma década, eArdern enfrentou greves de professore­s de escola primária, enfermeira­s e motoristas de ônibus.

Seu comportame­nto diante da tragédia, porém, reforçou suas credenciai­s. Ao elogiar a liderança da primeirami­nistra “representa­ndo nossa nação, nossa dor e nossa determinaç­ão”, um apresentad­or de TV, Eric Young, resumiu o sentimento de muitos: “Eu gostaria, com todo o meu coração, que ela não precisasse ter feito isso, mas estou orgulhoso do que ela fez”.

 ?? Guardian News/YouTube/Reprodução ?? A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, abraça parentes de vítimas de Christchur­ch
Guardian News/YouTube/Reprodução A primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, abraça parentes de vítimas de Christchur­ch

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