Secretária da Deficiência critica isenção para deficientes
Para assessora de Damares, compra de carro sem imposto é privilégio
Um privilégio. É assim que a secretária nacional da Pessoa com Deficiência, Priscilla Gaspar, subordinada à ministra dos Direitos Humanos, Damares Alves, vê o acesso das pessoas com deficiência à isenção de impostos para a compra de veículos novos, com teto de R$ 70 mil.
Nos últimos anos, as vendas de automóveis para esse público cresceram substancialmente, tanto porque novos grupos foram contemplados, como os não condutores —pais de crianças com autismo ou síndrome de Down, por exemplo—, como porque cresceu a oferta de modelos.
Segundo a secretária, “a isenção de impostos atinge parcela pequena de pessoas com deficiência, dado o perfil socioeconômico dessa população. Dados do Censo IBGE 2010 apontam que a maioria das pessoas com deficiência [65,9%] tem renda de até dois salários mínimos, sendo que 9,6% não têm renda alguma proveniente do trabalho”.
Ainda de acordo com Priscilla, que é surda e especialista em educação, “considerando de forma global e sob a ótica de política pública, as isenções para aquisição do automóvel atingem uma parcela de privilegiados dentro do grupo de pessoas com deficiência”.
De acordo com estudo rea- lizado pelo consultor Renato Baccarelli, especialista em veículos acessíveis, em 2016, foram vendidos com renúncia fiscal para público com deficiência 139 mil veículos, número que saltou para 187 mil em 2017 e para 264 mil em 2018.
Para William Coelho, o Billy Saga, líder do Movimento Superação, a avaliação da secretária é equivocada.
“É um absurdo despir um santo para cobrir o outro. A grande maioria das pessoas com deficiência não tem como sair de casa a não ser com o apoio de um carro acessível, pois os governos não cumprem com sua parte de oferecer um transporte público pleno e efetivo para todos. É desonesto e injusto atacar esse benefício considerando-o um privilégio”, afirma Billy.
Priscilla relativiza sua fala, porém, ao colocar a pessoa com deficiência no universo dos consumidores como um todo.
Na sua avaliação, a deficiência tem um custo para a promoção da equiparação de oportunidades. Quando comparados os públicos com e sem deficiência, “nesse sentido, não seria um privilégio”.
A secretária nega que, “num primeiro momento”, esteja nos planos do governo de Jair Bolsonaro acabar com a isenção fiscal, que pode abater cerca de 20% do valor do veículo considerados abatimento de IPI e ICMS, mas considera necessárias mudanças, entre as quais um modelo mais completo de avaliação —biopsicossocial— de quem pode acessar o benefício.
“Há pessoas que hoje acessam a isenção que não são pessoas com deficiência no conceito da Convenção Mundial da ONU e da Lei Brasileira de Inclusão, e a suspeita é que muitas das pessoas beneficiadas estejam nessa situação.”
E continua: “É uma demanda de uma parcela pequena do grupo de pessoas com deficiência, que estão em situação socioeconômica privilegiada em relação à grande maioria das pessoas com deficiência, que muitas vezes têm dificuldade em manter o básico para sobreviver. Não quero dizer que isso invalide essa demanda, mas é preciso refletir que, num contexto de escassez de recursos e restrição fiscal, é preciso repensar prioridades”.
A jornalista Fabíola Pedroso, 33, cadeirante e que comprou seu primeiro carro com isenção há dois anos, diz viver o “ápice de sua independência”. “Se a isenção não existisse, isso seria quase impossível, pois ter uma deficiência implica diversos gastos. Não me sinto privilegiada por ter isenções. É um direito conquistado para que a gente ‘chegue lá’.”
A senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que é tetraplégica, defende o direito. Gabrilli aponta que, segundo a legislação (decreto 5.296/2004), desde dezembro de 2014 o sistema de transportes e infraestrutura urbana do Brasil deveria estar acessível. “Enquanto o poder público não cumpre a lei, ele é sim obrigado a arcar com esse custo e suprir a ausência de acessibilidade que o próprio governo não oferece”, diz.