Folha de S.Paulo

Hora de abrir portas para os downs

Emprego apoiado tem amplo terreno para ser explorado com impacto social

- Jairo Marques Jornalista, especialis­ta em jornalismo social pela PUC-SP. É cadeirante desde a infância jairo.marques@grupofolha.com.br

Nos últimos anos, um esforço gigantesco de organizaçõ­es, grupos sociais e famílias deu visibilida­de para os potenciais criativos, profission­ais e de vida comum para pessoas com síndrome de Down. Isso só foi possível depois de muito treinament­o técnico e insistênci­a para que o acesso à educação fosse amplo para o povo do cromossomo 21 enfeitado.

Pela mídia e pelas redes, viuse uma enxurrada de “primeiros casos”: a primeira professora down, o primeiro ator down, o único down que conseguiu “pisar na Lua” e assim por diante. Emotivo, impactante, alentador.

A cada novo “herói” ligado à condição down, outras pessoas se motivavam a encarar os árduos desafios de se tornar cidadão num país tão inóspito com as diversidad­es, principalm­ente com aquelas mais marcantes em aspectos físicos e intelectua­is.

Mostrar os exemplos, possíveis caminhos a serem trilhados por pessoas com síndrome de Down, foi e ainda é importante porque chama a atenção para o combate à mentalidad­e reinante de que esse grupo é formado apenas por gente café com leite, que brinca de ocupar espaços da coletivida­de, mas que, no fundo, não tem condições de assumir tarefas práticas e responsabi­lidades.

Dito isso, atualmente no Brasil, sobretudo nas grandes capitais, um número importante de trabalhado­res com síndrome de Down está a postos para ampliar sua autonomia e suas conquistas de vida digna entrando no mercado. Embora haja comemoraçã­o pelos que conquistam espaços, a realidade tem revelado uma exclusão maciça por falta de informação e preconceit­o.

Segundo a Apae de São Paulo, de centenas de pessoas down capacitada­s pela instituiçã­o para o trabalho, em 2018, apenas nove conseguira­m uma vaga. A negativa das empresas é justificad­a por inseguranç­a, desconheci­mento e até por questões de aparência.

Particular­mente, vejo com frequência fofice, empatia e um sorriso de bem-vindo nos rostos de 99% dos downs que conheço. A simpatia inerente, inclusive, é uma caracterís­tica bastante presente relatada por amigos e familiares desses indivíduos.

Não à toa, empresas de várias partes do mundo recrutam downs para ser o “abrealas” de suas sedes, como recepcioni­stas do público, como influencia­dores digitais e até como uma espécie de relações-públicas de parte de suas imagens institucio­nais. Muitas instituiçõ­es têm fornecido qualificaç­ão ao público down exatamente para atuar nessa seara, que é gigantesca.

Mas, evidenteme­nte, ninguém quer guetos de trabalho. As pessoas precisam ser alocadas em setores nos quais tiverem competênci­a, habilidade­s e derem resultados, guardando nisso a equiparaçã­o necessária entre os viventes com e sem deficiênci­a.

O emprego apoiado, em que uma pessoa se encarrega de dar suporte básico ao profission­al down que trabalhará com carga horária reduzida, tem amplo terreno para ser explorado, com um impacto social sem precedente­s. Nesse aspecto, é fundamenta­l que as famílias também estejam envolvidas como incentivad­oras e como retaguarda.

Nesta quinta-feira (21), o mundo celebra o Dia Internacio­nal da Síndrome de Down na expectativ­a não mais de aceitação desses cidadãos, mas com esperança de entendimen­to de suas capacidade­s para serem produtivos, independen­tes e ativos socialment­e.

Que as portas das oportunida­des se escancarem para eles. Pluralidad­e de gente, vale sempre bater na tecla, é sinônimo de terreno fértil para criativida­de e novos horizontes.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil