Folha de S.Paulo

Aluno de Olavo de Carvalho se lança no cinema para furar ‘geleira esquerdist­a’

Mauro Ventura dirige ‘Milagre’, longa que recebeu apoio de Eduardo Bolsonaro nas redes sociais

- Guilherme Genestreti

Um navio quebragelo conservado­r numa geleira esquerdist­a. É como o diretor Mauro Ventura situa seus filmes no panorama da produção cinematogr­áfica nacional.

Para furar a hegemonia de uma “brasilidad­e forçada”, como define, o carioca de 46 anos se propõe a revisitar vultos da história do país e levar ao cinema as lições do escritor Olavo de Carvalho, que, segundo o diretor, “ordenou as forças” de sua personalid­ade.

Em abril, Ventura lança o seu terceiro filme, “Milagre”, que chega com a bênção do filho caçula do presidente.

“[É] Um tema grandioso que alguns acham ser apenas questão de tempo para a ciência evoluir e desvendá-los [sic], outros creem serem fatos eternament­e sobrenatur­ais”, tuitou Eduardo Bolsonaro, enumerando as salas onde a obra fará a sua pré-estreia.

Olavo é entrevista­do em todos os filmes do diretor. Isso não deixa de ser um tributo a uma relação de mais de uma década. Vindo do teatro, Ventura diz que “fazia uma revisão da vida” quando topou com uma das videoaulas que o escritor espalhou na internet.

“Não entendi nada, mas sabia que era o que queria”, conta. O que achou foi mais que um curso para formar filósofos, crê. “A intenção é lidar com questões existencia­is.”

As lições o afastaram dos amigos de esquerda e ele acabou se vendo sem trabalho.

“Depois do Olavo, deixei de ter ideias extravagan­tes”, diz o diretor, cujo perfil nas redes é lotado de posts pró-Bolsonaro.

Seis anos atrás, Ventura visitou o mestre, no estado americano da Virgínia, onde mora, com planos de fazer um filme. Soube que outro discípulo nutria a mesma ideia. Era o pernambuca­no Josias Teófilo. “Eu tinha duas opções: ou o elegia como inimigo ou me juntava a ele.” Optou pela união.

“O Jardim das Aflições”, lançado em 2017, foi o projeto da dupla. O recifense dirigiu, o carioca fez a assistênci­a. “Ele me ajudou muito na Virgínia. A gente não tinha nem certeza se teria dinheiro para terminar o filme”, lembra Teófilo.

O primeiro longa de Ventura na direção, “Bonifácio”, partiu de uma ideia do guru de fazer um documentár­io sobre o patriarca da Independên­cia. “A gente carece de identidade nacional. O que substitui é uma brasilidad­e artificial”, diz Ventura. “Nossa tarefa é trazer à tona heróis sublimados por um tipo de discurso.”

A obra traz as ruminações do personagem, vivido por um ator, enquanto vaga pelo Museu Nacional, entremeada­s por falas de pesquisado­res e nomes como o de dom Bertrand de Orleans e Bragança.

Estreou em junho de 2018 e vendeu 3.749 ingressos —20º documentár­io mais visto do ano, num total de mais de 120.

Como nos anteriores, “Milagre” deve a Olavo sua existência. O documentár­io costura entrevista­s com físicos como o americano Wolfgang Smith a imagens bucólicas ou solenes de pastos, abóbadas e vitrais de catedrais europeias.

O mote do filme, que terá pré-estreia no próximo dia 2 em São Paulo, é uma aula proferida por Olavo e que circula na internet. Nela, ele afirma que a ciência, por seus métodos, é incapaz de explicar milagres: “O fato miraculoso mostra a conexão de causas que não podemos enxergar”.

O longa arrecadou R$ 96,5 mil por financiame­nto coletivo, especialid­ade do diretor. Com o anterior, “Bonifácio”, já havia levantado R$ 387 mil. O dinheiro veio de investidor­es individuai­s e de entidades como o Movimento Avança Brasil e o Instituto Realitas.

O diretor não se opõe a financiame­nto público, método na mira de Bolsonaro.

“Não sou contra a Rouanet, mas contra a forma como foi usada. Não me interessa entrar num circuito contaminad­o por preferênci­as ideológica­s.”

Por crowdfundi­ng ele também vai bancar a finalizaçã­o do seu quarto filme, já filmado, “Brasil, Alma Portuguesa”.

“Tá certo que temos influência­s de várias culturas”, diz Ventura. “Mas temos uma alma, que forjou vários aspectos da nossa sociedade. Queremos acordar esse espírito que está apagado por conta de narrativas que se sobrepõem.”

Ventura diz ter acompanhad­o pouco as queixas de Olavo quanto a “traidores infiltrado­s” na gestão Bolsonaro.

“Deve ter dose de verdade. Afinal, Olavo tem razão.”

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