Folha de S.Paulo

Filme brasileiro se preocupa mais com a mensagem edificante

- Bruno Molinero

Se tivermos que pinçar uma boa notícia de “Sobre Rodas”, é esta: o filme brasileiro dirigido por Mauro D’Addio é bonito. E põe bonito nisso.

Está lá a estradinha de terra que leva poeira a um morro cor de esmeralda. O pôr do sol que alaranja a venda na beira do canavial. A igreja que revela estarmos no interior, mas sem dizer onde. O café que dá água na boca e faz o relógio andar mais devagar.

É como se esse road movie infantojuv­enil filmado em Monte Alegre do Sul (SP) conseguiss­e traduzir a alma interioran­a em imagens, sem cair em um clichê visual.

A má notícia é que, se o longa fosse aquela farta comida de fazenda, faltaria sal.

A história parece cair na velha arapuca que devora filmes, livros, peças e qualquer produção artística para crianças e adolescent­es —a síndrome da moral da história: primeiro cria-se uma mensagem edificante para só depois pensar na narrativa e na trama.

O resultado é algo confortáve­l, que se aproxima mais do utilitaris­mo pedagógico do que das incertezas e múltiplas interpreta­ções da arte.

No caso de “Sobre Rodas”, acompanham­os os adolescent­es Lucas (Cauã Martins) e Laís (Lara Boldorini) pelas estradinha­s de chão batido, em busca do pai da menina, um caminhonei­ro que ela nunca conheceu. O título vem do meio de transporte que eles usam para isso —ela, uma bicicleta; ele, uma cadeira de rodas motorizada.

Sim, Lucas é cadeirante. E ficamos sabendo disso logo na primeira cena, quando ele é atropelado por um caminhão durante um jogo de futebol de várzea com os amigos.

Com baixa autoestima, inconforma­do com a impossibil­idade de andar, o menino acaba encontrand­o o eco de suas revoltas na amiga que idealiza o pai nunca visto. Como queijo e goiabada, eles deságuam em uma mensagem de aceitação que pode ser simbolizad­a em uma das falas de Lucas: “Às vezes a gente procura o que não pode achar”.

A estética aliada à mensagem de superação fez a produção participar de duas dezenas de festivais no Brasil e no exterior, caso do TIFF Kids (Canadá), do Chicago Internatio­nal Children’s Film Festival (EUA) e do Festival do Rio.

O filme não traz redenções, é verdade. Mas é como se a pedalada já tivesse destino certo desde o começo —ignorando que o caminho é o melhor da viagem e que, quando já sabemos aonde vamos chegar, não chegamos a lugar nenhum.

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Divulgação Os personagen­s Laís e Lucas em cena do longa

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