Filme brasileiro se preocupa mais com a mensagem edificante
Se tivermos que pinçar uma boa notícia de “Sobre Rodas”, é esta: o filme brasileiro dirigido por Mauro D’Addio é bonito. E põe bonito nisso.
Está lá a estradinha de terra que leva poeira a um morro cor de esmeralda. O pôr do sol que alaranja a venda na beira do canavial. A igreja que revela estarmos no interior, mas sem dizer onde. O café que dá água na boca e faz o relógio andar mais devagar.
É como se esse road movie infantojuvenil filmado em Monte Alegre do Sul (SP) conseguisse traduzir a alma interiorana em imagens, sem cair em um clichê visual.
A má notícia é que, se o longa fosse aquela farta comida de fazenda, faltaria sal.
A história parece cair na velha arapuca que devora filmes, livros, peças e qualquer produção artística para crianças e adolescentes —a síndrome da moral da história: primeiro cria-se uma mensagem edificante para só depois pensar na narrativa e na trama.
O resultado é algo confortável, que se aproxima mais do utilitarismo pedagógico do que das incertezas e múltiplas interpretações da arte.
No caso de “Sobre Rodas”, acompanhamos os adolescentes Lucas (Cauã Martins) e Laís (Lara Boldorini) pelas estradinhas de chão batido, em busca do pai da menina, um caminhoneiro que ela nunca conheceu. O título vem do meio de transporte que eles usam para isso —ela, uma bicicleta; ele, uma cadeira de rodas motorizada.
Sim, Lucas é cadeirante. E ficamos sabendo disso logo na primeira cena, quando ele é atropelado por um caminhão durante um jogo de futebol de várzea com os amigos.
Com baixa autoestima, inconformado com a impossibilidade de andar, o menino acaba encontrando o eco de suas revoltas na amiga que idealiza o pai nunca visto. Como queijo e goiabada, eles deságuam em uma mensagem de aceitação que pode ser simbolizada em uma das falas de Lucas: “Às vezes a gente procura o que não pode achar”.
A estética aliada à mensagem de superação fez a produção participar de duas dezenas de festivais no Brasil e no exterior, caso do TIFF Kids (Canadá), do Chicago International Children’s Film Festival (EUA) e do Festival do Rio.
O filme não traz redenções, é verdade. Mas é como se a pedalada já tivesse destino certo desde o começo —ignorando que o caminho é o melhor da viagem e que, quando já sabemos aonde vamos chegar, não chegamos a lugar nenhum.