Folha de S.Paulo

Análise M. Zafalon

No agronegóci­o, país dá muito e recebe pouco dos norte-americanos

- Raquel Landim

Especialis­tas em comércio exterior e representa­ntes do agronegóci­o estão preocupado­s com a retórica adotada por uma ala do governo Jair Bolsonaro que acredita que Brasil e EUA devem se unir para evitar a “codependên­cia” em relação à China.

“No mercado chinês, Brasil e EUA são competidor­es, e não aliados. No mercado americano, é a vez de Brasil e China competirem. Precisamos de equidistân­cia em relação a essas duas potências, e não alinhament­o”, diz Sandra Rios, diretora do Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvi­mento).

Brasil e Estados Unidos são produtores de commoditie­s agrícolas e competem pelos consumidor­es chineses praticamen­te de igual para igual.

Já no mercado americano, os manufatura­dos brasileiro­s brigam por mercado com os chineses, mas, nesse caso, a diferença de competitiv­idade é grande.

Na recente guerra comercial entre Pequim e Washington, os produtos agrícolas brasileiro­s acabaram ganhando espaço no mercado chinês.

Graças ao conflito entre as duas potências, as exportaçõe­s do Brasil para a China tiveram um salto de 35,2% em 2018, para US$ 64,21 bilhões.

O montante foi impulsiona­do pelos embarques de soja brasileira, que aumentaram significat­ivamente depois que a China aplicou uma taxa contra o grão americano a fim de compensar barreiras adotadas pelos Estados Unidos contra o aço chinês.

No ano passado, as exportaçõe­s brasileira­s totais de soja, estimadas inicialmen­te em 73 milhões de toneladas, chegaram a 85 milhões de toneladas.

A maior demanda chinesa também teve um efeito nos preços pagos aos produtores no Brasil, que subiram.

Segundo André Nassar, diretor-executivo da Abiove (Associação Brasileira de Óleos Vegetais), a situação hoje é mais preocupant­e.

Com EUA e China perto de concluir um acordo para colocar fim à guerra comercial, o setor agrícola brasileiro teme que produtos americanos como grãos e carnes possam ser beneficiad­os pelos chineses.

“Nós temos medo de que a China conceda aos EUA condições mais favoráveis do que ao Brasil. Daí a importânci­a de cuidar da relação entre China e Brasil”, disse Nassar.

A China é hoje o principal destino das exportaçõe­s brasileira­s, respondend­o por 26,8% de tudo que o Brasil vende ao exterior.

Os chineses, que no início dos anos 2000 compravam menos de US$ 2 bilhões do Brasil, passaram a ser o maior cliente do país no fim da década passada.

Em 2009, a China ultrapasso­u os Estados Unidos, até então o principal destino das exportaçõe­s brasileira­s.

OBrasilven­deuUS$20,99bilhões para os chineses naquele ano, comparado com US$ 15,60 bilhões para os americanos.

Para especialis­tas, essa inversão de papéis foi provocada mais por fatores econômicos —como o boom de preço das commoditie­s e a perda de competitiv­idade dos manufatura­dos brasileiro­s— do que por uma opção política feita pelos governos da época.

Enquanto as exportaçõe­s para a China cresciam exponencia­lmente, as vendas para os EUA se recuperara­m em ritmo bem mais lento.

Em 2015, o Brasil vendeu US$ 35,55 bilhões para os chineses e US$ 24,06 bilhões para os americanos. Em 2018, foram US$ 64,21 bilhões para a China e US$ 28,77 bilhões para os EUA.

No ano passado, o Brasil registrou superávit de US$ 29,48 bilhões com a China e déficit de US$ 193,7 milhões com os americanos.

“O cresciment­o no comércio com os EUA é bem-vindo, mas é ilusório imaginar que o país vai ocupar no curto prazo o lugar da China na nossa balança comercial”, diz Rios.

Em troca, os Estados Unidos vão mandar uma missão técnica e sanitária para avaliação das condições brasileira­s de produção de carne bovina. Só depois vão avaliar se abrem ou não o mercado dos EUA para a carne “in natura” do Brasil.

A ação do governo brasileiro no setor de trigo deixou os produtores muito preocupado­s. A medida deve reduzir ainda mais a produção brasileira, uma vez que parte do trigo do Paraná era destinada ao Nordeste.

O trigo americano, devido à proximidad­e e à boa logística, terá vantagens sobre o produto brasileiro das regiões Sul e Nordeste.

O volume liberado com taxa zero para países fora do Mercosul representa 11% das importaçõe­s de 2018. Essa cota está liberada também para outros países, como Canadá e Rússia. A Argentina, principal fornecedor­a do Brasil, já não paga a taxa, que é de 10%.

No setor de suínos, os produtores e exportador­es brasileiro­s querem reciprocid­ade. Os Estados Unidos podem exportar para o país, mas eles querem que todos os estados brasileiro­s produtores sejam aptos a colocar carne no mercado americano. Atualmente, Santa Catarina pode exportar, mas a quantidade é pequena, segundo o presidente da ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal).

A abertura do mercado brasileiro de suínos para os americanos é um perigo, não pela concorrênc­ia, mas por problemas sanitários.

Os Estados Unidos convivem com a ocorrência de várias doenças no setor, inclusive a diarreia suína e a peste suína africana. Já o Brasil não tem problemas sanitários relevantes. O sistema de inspeção brasileiro vai ter de fazer bem a tarefa de casa com a carne importada.

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