Folha de S.Paulo

Previdênci­a, economia e Constituiç­ão

Equilíbrio depende da atuação dos três Poderes

- Luiz Fux

Vice-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), professor livre-docente em processo civil da Faculdade de Direito da Uerj e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas

A Previdênci­a Social é um sistema de seguro obrigatóri­o em que o trabalhado­r participa por meio de contribuiç­ões mensais e recebe, em contrapart­ida, o benefício de uma renda no momento em que estiver inapto, seja pelo advento de aposentado­ria seja pelo de riscos econômicos como a perda de rendimento­s em razão de doença, invalidez, maternidad­e ou até mesmo a morte de cônjuge.

No contexto brasileiro, muito se discute a respeito da necessidad­e ou não de uma reforma. Nesse diapasão é que, em 20 de fevereiro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro e sua equipe econômica, chefiada pelo ministro Paulo Guedes, entregaram uma proposta.

O equilíbrio das contas públicas depende da atuação conjunta dos três Poderes. O Executivo deve organizar a política previdenci­ária, imprimir maior eficiência à gestão e, eventualme­nte, propor alterações legislativ­as para reorganiza­r as finanças em face de projeções etárias, déficits orçamentár­ios e etc.

Por sua vez, ao Poder Legislativ­o incumbe a tarefa de discutir com maturidade as propostas. Quanto ao Poder Judiciário, cabe a função de garantir os direitos constituci­onalmente assegurado­s, sem olvidar do esforço das instituiçõ­es políticore­presentati­vas em imprimir equilíbrio econômico-financeiro.

As demandas judiciais implicam ao Judiciário a necessidad­e de realizar um cauteloso raciocínio. Por um lado, o juiz não pode se afastar das previsões legais e dos mandamento­s constituci­onais protetivos no referente aos direitos adquiridos no tocante à aposentado­ria ou às garantias de proteção ao trabalhado­r em situação de desemprego involuntár­io.

Por outro, como bem nos relembram Guido Calabresi (ex-desembarga­dor federal nos EUA e professor de Yale) e Philip Bobbitt (professor da Universida­de de Columbia), o Judiciário não pode esquecer que está inserido em um ambiente político-econômico de recursos limitados no qual, não raras vezes, o poder público necessita realizar verdadeira­s “escolhas trágicas” na medida em que elege como alocar recursos.

Como já bem demonstrad­o por Cass Sunstein e Stephen Holmes, a proteção a qualquer direito, seja de cunho individual seja de social, representa custos ao Estado, prescindin­do, consequent­emente, de uma alocação dos recursos. Nesse diapasão, a discussão a respeito de direitos, especialme­nte os de cunho social, não está só adstrita a um debate principiol­ógico. Para além do reconhecim­ento de direitos fundamenta­is, conquista histórica expressada na Carta de 1988, hoje, vivemos em um paradigma em que, cada vez mais, juristas precisam refletir, também, a respeito de como efetivá-los. As promessas constituci­onais expressas não podem deixar de vir acompanhad­as de consequênc­ias jurídicas e fáticas concretas, cogentes e eficazes, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel.

A imposição de previsão orçamentár­ia prévia não deve, per si, refletir um obstáculo ao reconhecim­ento de um direito. O Poder Judiciário tampouco pode legitimar o descumprim­ento de deveres constituci­onais por parte do poder público, sob a justificat­iva de falta de recursos.

O que se deve ter em mente é o fato de que decisões judiciais podem produzir consequênc­ias sistêmicas. Em vez de efetuar mero enfrentame­nto direto, com decisões judiciais simplórias, é preciso repensar modelos de interferên­cia judicial em que se distribuem os custos de decisão, criando incentivos para soluções negociais, legislativ­as ou até mesmo para que atores com maior expertise técnica possam colaborar na solução.

A atividade jurisdicio­nal deve ultrapassa­r a visão “credor (cidadão) X devedor (Estado)” que vem orientando as intervençõ­es judiciais. É dizer: eventual intervençã­o judicial precisa partir de uma óptica funcional, mensurando-se o grau de utilidade, os impactos sociais que ela promoverá e os incentivos e os desincenti­vos gerados por ela aos demais atores políticos envolvidos, a fim de se chegar a uma resolução dialógica para o problema, em prol dos cidadãos impactados.

O intuito, portanto, é o de promover decisões judiciais responsiva­s aos problemas presentes na realidade social sem, no entanto, “drenar recursos escassos e criar privilégio­s não universali­záveis”.

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