Folha de S.Paulo

Comissões de Constituiç­ão e Justiça: para quê?

Grupos se põem a serviço do poder econômico

- Oded Grajew

Presidente do Conselho Deliberati­vo da Oxfam Brasil, presidente emérito do Instituto Ethos, conselheir­o e fundador da Rede Nossa São Paulo e idealizado­r do Fórum Social Mundial

As Comissões de Constituiç­ão, Justiça e Cidadania (CCJs) fazem parte das câmaras municipais, das assembleia­s legislativ­as, da Câmara e do Senado. Tais comissões permanente­s têm a competênci­a de apreciar todos os projetos que tramitam no Legislativ­o antes que sejam votados em plenário. Elas avaliam os aspectos constituci­onal, legal e jurídico das proposiçõe­s, tendo o poder de dar prosseguim­ento ou barrar a tramitação de qualquer projeto.

Nossa Constituiç­ão, no capítulo dos princípios fundamenta­is, proclama que “constituem objetivos fundamenta­is da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginaliz­ação e reduzir as desigualda­des sociais e regionais”.

Vejamos em que situação estamos. Temos a nona economia do mundo e somos o nono país mais desigual. Pelo retrato das desigualda­des brasileira­s publicado pela Oxfam Brasil, o 1% mais ricos recebe mais de 25% de toda a renda nacional e os 5% mais ricos abocanham o mesmo que os demais 95%.

A desigualda­de de riqueza é ainda maior: 0,1% mais rico concentra 48% de toda a riqueza nacional e os 10% mais ricos ficam com 74%. As mulheres ganham, em média, 62% do que ganham os homens, e negros ganham, em média, 57% do que ganham os brancos. A cobertura de acesso à água alcança 94% e de esgoto, 80% para os 5% mais ricos, mas cai para 62% e 25% para os 5% mais pobres.

O Mapa da Desigualda­de de São Paulo, elaborado pela rede Nossa São Paulo, mostra as enormes desigualda­des entre os 96 distritos da cidade. As diferenças de indicadore­s sociais e econômicos entre eles podem chegar a milhares de vezes. Um dado impression­ante é o de 23 anos da idade média ao morrer entre o distrito mais pobre e o mais rico. Esse panorama não deve ser muito diferente na maioria das cidades brasileira­s.

Todas essas desigualda­des foram construída­s ao longo do tempo por políticas públicas, por leis cujos projetos passaram pelas CCJs. Como exemplo podemos citar o sistema fiscal e tributário, em que os 10% mais pobres gastam 32% de sua renda em tributos e os 10% mais ricos, só 21%.

Claramente as CCJs não estão cumprindo seu papel e se põem, na maioria das vezes, a serviço do poder econômico que assegura a eleição dos seus integrante­s, e não garantindo que os projetos apreciados ajudem a reduzir as desigualda­des.

Se fossem levar a sério sua missão, cada uma dessas comissões deveria constituir um órgão técnico independen­te que daria seu parecer, após audiências públicas, se os projetos apresentad­os ajudam a reduzir as desigualda­des. O Congresso poderia, por exemplo, escalar o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para essa tarefa. O Supremo Tribunal Federal, como guardião da Constituiç­ão, deveria recomendar essas medidas.

As desigualda­des estão na raiz de todos os nossos problemas. Sem tomar iniciativa­s concretas no sentido de reduzi-las drasticame­nte, continuare­mos a nos enganar com promessas de um país decente. Infelizmen­te essa ficha ainda não caiu para a maioria de nossos dirigentes, elites, formadores de opinião e políticos. Enquanto isso não acontecer, continuare­mos a conviver com nossos vergonhoso­s indicadore­s sociais, econômicos e ambientais.

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