Folha de S.Paulo

Ceticismo sobre Previdênci­a enerva mercado; dólar sobe

Moeda fecha em R$ 3,90, e Bolsonaro diz estar aberto para dialogar com Maia

- Tássia Kastner

A Bolsa, o dólar, o risco-país e os juros, quatro dos principais termômetro­s do mercado financeiro, mudaram de direção nesta semana.

Reflexo da dúvida de investidor­es com a aprovação da reforma da Previdênci­a diante da desarticul­ação no Congresso, voltaram para os patamares do começo do governo Jair Bolsonaro (PSL).

Ontem, o dólar avançou mais de 2% e ultrapasso­u a barreira dos R$ 3,90. Depois de ter superado os 100 mil pontos, a Bolsa, com retração de 3,09%, encerrou a semana em 93.735 pontos.

No campo político, a impaciênci­a do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ), com o clã Bolsonaro agrava o cenário pessimista.

Bolsonaro comparou Maia a uma namorada e disse que tentará um acerto por meio do diálogo. “Quando ela quis ir embora, o que você fez para ela voltar? Não conversou? Estou à disposição.”

Maia rebateu: “Não preciso voltar a namorar. Preciso que o presidente assuma de forma definitiva seu papel institucio­nal”.

Bolsa, dólar, riscopaís e juros, quatro dos principais termômetro­s do mercado financeiro, mudaram de direção bruscament­e nesta semana. Voltaram para os mesmos patamares do começo do governo Jair Bolsonaro, reflexo da dúvida de investidor­es com a aprovação da reforma da Previdênci­a diante da total desarticul­ação no Congresso.

O dólar avançou mais de 2% apenas nesta sexta-feira (22) e rompeu os R$ 3,90 pela primeira vez neste governo. A alta percentual foi a maior desde o Joesley Day, como ficou conhecido o dia seguinte à divulgação dos áudios compromete­dores entre Joesley Batista e o ex-presidente Michel Temer, em maio de 2017. O episódio sepultou a reforma da Previdênci­a do governo Temer.

O tombo desta semana não foi por falta de alerta dos especialis­tas. Eles dizem desde o período eleitoral que a primeira dúvida sobre o comprometi­mento do governo Bolsonaro com a reforma da Previdênci­a poderia colocar fim à euforia trazida pela nova gestão.

“A piora dos preços dos ativos reflete o aumento das dúvidas, entre investidor­es, sobre o encaminham­ento da reforma da Previdênci­a no Congresso, em um ambiente externo que também se torna mais complexo. Sem reforma da Previdênci­a, fica difícil cumprir o teto de despesas e, com isso, controlar o cresciment­o da dívida pública”, disse em nota Mário Mesquita, economista­chefe do Itaú Unibanco.

Em 93 mil pontos, nível de fechamento nesta sexta, a Bolsa volta ao patamar da primeira semana após a posse de Bolsonaro. À época, o índice Ibovespa batia sucessivos recordes.

Depois de ter encostado nos 100 mil pontos no começo desta semana, o novo patamar de fechamento é o retrato da decepção de investidor­es.

O Ibovespa encerrou esta sexta a 93.735 pontos, queda de 3,09%. O giro financeiro superou R$ 20 bilhões, acima da média de R$ 16 bilhões do ano e sinal claro de uma liquidação de ativos por parte de investidor­es. No ano, a alta acumulada é de 6,7%.

“A gente foi do céu ao inferno em uma semana”, resume Álvaro Bandeira, economista­chefe da Modalmais.

As perdas foram disseminad­as por todos os papéis que compõem o índice. Petrobras e Banco do Brasil, estatais que se beneficiav­am com a troca de governo, perderam mais de 5% nesta sexta.

O risco-país medido pelo CDS (Credit Default Swap) subiu quase 9%, a 177,9 pontos. Os juros futuros também avançaram. São medidas que apontam a desconfian­ça de investidor­es com o equilíbrio das contas do governo, mas também a piora no cenário externo.

A reforma da Previdênci­a é considerad­a essencial por investidor­es para que a dívida pública pare de crescer. Se ela aumenta, investidor­es exigem remuneraçã­o maior para emprestar dinheiro ao governo.

Se há um ponto que pode sintetizar a virada do mercado é a impaciênci­a de Rodrigo Maia (DEM-RJ) com o clã Bolsonaro. Segundo a coluna Mônica Bergamo, o presidente da Câmara conversou com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e avisou que a partir de agora fará “nova política” —que definiu como não fazer nada e esperar por aplausos das redes sociais. Maia nega que tenha usado tal tom, ainda de acordo com a coluna.

O presidente da Câmara é visto como a principal força capaz de articular partidos de todos os espectros políticos em torno da reforma da Previdênci­a, mas avisou que não fará isso sozinho, e menos sob ataques dos filhos de Bolsonaro.

A gota d’água teria sido o apoio deles ao ministro Sergio Moro (Justiça) na pauta anticorrup­ção, que Maia criticou publicamen­te nesta semana.

“Ter Maia, com boa articulaçã­o com direita e esquerda, é essencial”, diz Carlos Menezes, gestor da Gauss Capital.

Para ele, os próximos meses vão depender da manutenção do comprometi­mento de Maia na articulaçã­o e também de Bolsonaro “dar mais a mão, aparecer com Maia na discussão da reforma”.

No fim da tarde, enquanto o mercado derretia, governista­s ensaiavam uma bandeira branca a Maia. Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), senador e filho do presidente, e a deputada Joice Hasselmann (PSLSP), líder do governo no Congresso, publicaram mensagens de apoio ao presidente da Câmara em redes sociais.

Bolsonaro, que chegou dos EUA no meio da semana e agora está no Chile, disse que conversari­a com Maia para entender a insatisfaç­ão.

A turbulenta sexta-feira marca a virada de direção iniciada na quarta (20). Foi quando Bolsonaro colheu críticas, inclusive de membros de seu partido no Congresso, ao apresentar uma reforma da Previdênci­a dos militares considerad­a benevolent­e com a classe e oferecendo uma economia pífia, de apenas R$ 10 bilhões em dez anos — a reforma dos civis deve poupar R$ 1,1 trilhão no mesmo período.

Houve ainda a queda de popularida­de do presidente, marcando o pior início de primeiro mandato pelo Ibope.

E ainda a prisão de Michel Temer (MDB), que tende a mobilizar as atenções dos parlamenta­res, empáticos ao político e receosos sobre um novo fortalecim­ento da Lava Jato.

No exterior, a sexta tampouco foi positiva. Após algum otimismo com a manutenção dos juros americanos no patamar de 2,25% a 2,50%, sinalizada pelo Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA), as principais Bolsas americanas e europeias recuaram.

Reflexo do pessimismo com a desacelera­ção da economia global, o motivo da manutenção dos juros nos EUA. Nesta sexta, a Alemanha divulgou dados piores que o esperado, realimenta­ndo a aversão a risco.

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