Folha de S.Paulo

Crimes sexuais no transporte público de SP crescem 265% em 10 anos

Levantamen­to considerou delitos cometidos de 2008 ao final de 2018; atos obscenos lideram

- Daniel Mariani e Júlia Zaremba

O número de registros de crimes sexuais ocorridos em metrôs, trens e outros meios de transporte público em São Paulo cresceu 265% em 11 anos, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública do estado obtidos pela Folha por meio da Lei de Acesso à Informação.

Para o levantamen­to, foram considerad­os quatro tipos de delitos cometidos de 2008 até o fim de 2018: ato obsceno, estupro, estupro de vulnerável e violação sexual mediante fraude. Ocorreram principalm­ente em meios de transporte rodoviário (577) e ferroviári­o (514).

Entre eles, o crime mais frequente no período foi o de ato obsceno, que somou 980 casos. Inclui, por exemplo, ações como exibir ou manipular órgãos genitais em público.

O estupro figura como o segundo crime com mais queixas. Foram 416 registros em dez anos —108 deles só nos últimos dois anos. Consiste no ato de constrange­r alguém a praticar ato libidinoso mediante violência ou grave ameaça, o que inclui desde agarrar alguém a força até penetração sem consentime­nto.

Quanto a estupro de vulnerável, definido como a prática de ato libidinoso ou conjunção carnal com menores de 14 anos, foram 225 registros no período. Houve também 106 pessoas que denunciara­m violação sexual mediante fraude, quando um agressor engana a vítima para cometer a agressão.

A mudança nas definições de alguns crimes sexuais previstos no Código Penal ocorrida em 2009 ajuda a explicar o aumento nos registros dos crimes, diz Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Pela redação anterior, apenas mulheres poderiam ser considerad­as vítimas de estupro —agora não há restrição quanto ao gênero—, e só casos em que houvesse conjunção carnal eram criminaliz­ados. Já o estupro de vulnerável foi tipificado apenas em 2009.

A mudança na percepção das vítimas, principalm­ente mulheres, sobre a gravidade desses atos de violência também foi um fator importante para o aumento nos números, diz a antropólog­a e pesquisado­ra da USP Beatriz Accioly Lins. “O que antes era visto como uma inconveniê­ncia, uma chatice, agora é encarado como uma violação de direitos.”

Apesar do cresciment­o, a subnotific­ação ainda é alta. Estudos produzidos pelo Ipea estimam que apenas 10% dos casos de estupro sejam denunciado­s. “E é um dos mais graves. Imagina outros, classifica­dos como importunaç­ão ou ato obsceno?”, diz Bueno.

Medo, vergonha e dificuldad­es no processo de registro da ocorrência desanimam as vítimas a prestar queixa.

Uma estudante de 22 anos, que não quis ser identifica­da,

viveu um périplo para denunciar um homem que ejaculou em sua perna no início de fevereiro em um trem da linha 9-esmeralda da CPTM. Ela notou que uma pessoa atrás dela mexia bastante as mãos, até que sentiu um líquido em sua calça. Virou-se e viu o homem com o pênis para fora.

“Me senti impotente, fraca. Gritei, mas ninguém me ajudou”, conta. “Percebi o quanto a mulher é inferioriz­ada. Eu era só uma escandalos­a.”

Conteve o homem e, quando as portas abriram, funcionári­os da CPTM seguraram o agressor. Mas começaram a questioná-la sobre a veracidade da sua versão. “Você viu mesmo isso?” e “Você tem provas? Ele está dizendo que é chuva” foram algumas das perguntas, segundo ela.

Esperou por cerca de duas horas e meia até ser levada a uma Delegacia da Mulher. Conta que repetiu a história dezenas de vezes. Na polícia, teve que esperar por horas até que o boletim fosse feito —o caso foi registrado como importunaç­ão sexual.

A mulher continua andando de transporte público todos os dias. “Mas com muito medo. Até quando vou precisar ter um sensor de homens em volta do meu corpo?”, diz.

Em nota, a CPTM afirmou que a atuação dos funcionári­os está sendo analisada pelo comitê de ética da empresa e que, após a conclusão das apurações, serão tomadas as medidas cabíveis.

O Metrô de São Paulo afirmou, em nota, que conta com mais de 3.000 agentes treinados para acolher vítimas. Oferece um aplicativo de celular, chamado Metrô Conecta, e um serviço de denúncia por mensagem de texto.

A SPTrans orienta que vítimas procurem imediatame­nte o motorista e diz que realiza campanhas preventiva­s para combater o abuso nos coletivos. A empresa afirma que a questão é tratada durante a capacitaçã­o dos funcionári­os.

Já a CPTM afirmou que faz campanhas nas redes sociais e em mensagens sonoras para incentivar denúncia de irregulari­dades e que mantém uma equipe de segurança que realiza rondas tanto com uniforme quanto à paisana. A companhia oferece ainda um serviço de denúncia por mensagem de texto.

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